por Samanta Obadia
De sexta a sexta. Sete dias. 360 graus. Sexta-feira de Carnaval, sem bloco, sem alegria, sem bebedeira. Levaram tudo. Carro. Bolsas. Documentos. Projetos. Mas não nos levaram. Deixaram-nos sós. E sem a matéria, ficou confuso pensar no dia. Na verdade, a ausência da matéria ainda deixou: a dúvida, o medo, a burocracia.
A ordem do dia passou a ser o cancelamento: dos compromissos, dos cartões de créditos, das linhas telefônicas, dos cheques. Os ladrões fugiram e nós ficamos trancados em nossos papéis, em nossas contas, em nossas máscaras. E o dia continuou passando, como um outro qualquer.
O dia seguinte chegou, nem pior nem melhor, apenas o dia seguinte. As pessoas comentaram e perguntaram; elas nos fizeram lembrar, talvez para elaborar o acontecido. Não é bom nem mau, mas cansativo.
Pálpebras se fecharam ativando a cena, o susto, o mal-estar. E os dias continuaram passando.
Amigos e familiares nos estenderam as mãos. Acolheram-nos e acolheram também a nossa dor, a nossa tristeza. E isso é riqueza. E é material, pois toca.
Enfrentar a dor não foi uma escolha, foi uma condição. O mundo não para nunca. E o Carnaval aconteceu independente da minha fantasia. Tudo se desconectou. Tudo saiu do lugar.
Então, inventamos propósitos, dando sentido aos fatos. É o humano contextualizando o mundo, se impondo divinamente sobre o que não se pode entender e aceitar. E isso nos confortou. Fez-nos seguir em frente.
E, quando a realidade se assentou, eis que a boa nova foi anunciada no sétimo dia, em 18, que somam 9, simbolicamente o início de um novo ciclo. Como diz o velho ditado: “Depois da tempestade, vem a bonança”. O importante é resistir às chuvas e ao vento, com fé, que a Quaresma inicia.