por Roberto Goldkorn
Ao longo de minha vida ora recebi a etiqueta de obstinado (com uma mancha de condenação), ora recebia a etiqueta de perseverante (com um toque de honra ao mérito). Isso direcionou a minha atenção para essas qualidades/defeitos em mim e nas pessoas à minha volta.
Era muito jovem, mas fiquei um tempo sem saber o que as pessoas esperavam de mim. Quando me achava perseverante, diziam que era obstinado (e isso não era nada bom), quando estava sendo obstinado, parava para exercer a autocrítica (e isso também não era bom).
Nunca desejei para mim a pecha de ser um cabra obstinado (obsessivo, turrão, cabeça dura, inflexível). Mesmo assim algumas vezes sentindo-me no caminho certo da perseverança abaixava a cabeça e ia em frente dando marrada como um bode cego, ignorando o precipício à frente. O que observei na minha perplexidade de jovem, também vejo em muitas pessoas: essa confusão além semântica pode levar uma pessoa ao sucesso ou à queda, e às vezes quando leva ao “sucesso”, está na verdade premiando a loucura, a insensatez, e esse sucesso será apenas uma ante câmera do desastre.
A nossa sociedade cada vez mais premia os obstinados, os obcecados pelo sucesso de curto prazo, aqueles que não largam o osso em nenhuma hipótese, mesmo que esse osso seja apenas o revestimento de uma granada destruidora. Cobra-se das pessoas atitude kamikaze sempre e qualquer hesitação é vista como fraqueza. Um amigo que mora no Canadá, me confidenciou: lá a gentileza ou a generosidade é um perigo, pois está sempre a um passo de ser confundida com fraqueza. Seu filho de apenas treze anos viu uma pessoa perder uma nota de cinco dólares, foi até o homem para devolver. A reação do distraído senhor foi: “Você está tentando me roubar?”
A obstinação é a perseguição de objetivos vazios de recompensas reais.
Vejo pessoas perseguindo objetivos quixotescos, como se aquilo valesse uma vida, apenas para se mostrar determinado, “perseverante”. Lembro-me de uma cena de um filme antigo (Blow Up) em que o guitarrista de uma banda de rock arrebenta a guitarra no palco e atira os seus restos para a platéia ensandecida. Depois de uma luta encarniçada para ficar com os restos mortais da guitarra, exaustos, os fãs acabam indo embora e deixam no chão os pedaços daquilo que um dia foi um instrumento. A câmera fecha nos restos mortais da guitarra e depois abre para o salão vazio.
Parece-me que não estamos deixando espaço para dúvida. A frase que mais ouço é: “com certeza”. Coloque um microfone na boca de qualquer um na rua, e ouvirá dele suas certezas sobre tudo. Ninguém mais hesita, não se titubeia, tudo é certeza, obstinação. Há um perigo no ar quando se confunde obstinação com perseverança.
Perseverança ou obstinação?
Reconheço que em algumas circunstâncias fica difícil distinguir onde é uma coisa e onde é outra. Vendo uma luta livre, um grande campeão japonês foi surpreendido por um soco bem dado, pelo adversário croata e caiu. Foi massacrado com uma saraivada de golpes. A todos pareceu que estava acabado, nocauteado, mas ainda respirando. O juiz lhe concedeu alguns segundos de alívio ao tirá-lo do meio das cordas. Ele conseguiu ficar de pé, respirou. O adversário exausto de tanto bater, voltou a carga mas foi pego no contragolpe. Talvez o croata tenha tido alguma consideração pelo grande campeão, ali de quatro, com o rosto transformado em uma máscara de sangue e tenha diminuído os ataques achando que “já era”, a luta estava ganha. Mas o japonês partiu para o ataque. Bateu, bateu, bateu, derrubou e finalizou a luta, para o delírio de seus admiradores e pasmo de todos nós. Perseverança ou obstinação? Falta de perseverança ou falta de obstinação do oponente?
Não se pode responder a essa pergunta usando só critérios objetivos de avaliação, até porque não temos bola de cristal como parte de nossos apetrechos fisiológicos. Numa sociedade de valores de luta livre, a obstinação parece ter chegado para ficar. Mas os resultados disso serão as máscaras de sangue, em vitórias fugazes – as cicatrizes testemunharão contra. Como disse sabiamente Machado de Assis: “Ao vencedor as batatas.”
Saber lutar com garra as lutas que realmente valem a pena é a suprema sabedoria.
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