por Eliana Bussinger
O primeiro passo é reconhecer que temos dificuldade em administrar nossos recursos, o que já é bem difícil de admitir, porque é sempre um fato desconcertante, que exigirá mudança de comportamento.
O segundo passo é descobrir a existência de motivos que seriam incompatíveis com os nossos sonhos futuros.
Por exemplo:
A compra da casa própria é incompatível com os cheques voadores e os pré-datados.
A compra do carro é incompatível com os sapatos nunca usados, que se acumulam no fundo do armário.
O curso de pós-graduação é incompatível com as altas taxas de juros do cheque especial descoberto há vários meses.
A manutenção da disciplina mensal de depositar R$100 por mês na previdência privada é incompatível com salário mais curto do que o mês.
A tranqüilidade no futuro é incompatível com as quantias decepcionantes separadas em caderneta de poupança, ou outros investimentos, porque se está sempre cedendo às ciladas habituais de compras desnecessárias.
Além da dificuldade que se passa a enfrentar para honrar compromissos presentes, quando estamos endividados, o que também deveria nos preocupar é que sempre estaremos pagando um alto preço pela gratificação instantânea.
Muitas mulheres sequer desconfiam que esse custo reside em algum lugar no futuro, já que o custo de oportunidade é o crescimento individual e a segurança financeira traduzidos em falta de poupança, de investimento e de previdência.
E aqui, em poucas palavras, reside a razão do artigo.
Primeiro, reafirmar que comprometimento de grande parcela de rendas ainda não ganhas significa desconhecimento ou arrogância.
Desconhecimento dos mecanismos do mercado, principalmente da influência dos juros; tanto o efeito, muitas vezes perverso, quando se trata de crédito, quanto o efeito, quase sempre benéfico, quanto estamos falando de poupança e investimento. E a arrogância relaciona-se com o futuro e a capacidade de gerar recursos.
Quem é assalariado, geralmente, pensa assim: “Dá para pagar, porque no final do mês tenho meu salário”. Ou seja, “O imponderável não vai acontecer, não vou perder o emprego, emergências não ocorrerão”. E se perguntamos sobre o futuro, bem… esse Deus dará.
Se esse comprometimento se deveu à aquisição de coisas que não gerarão riqueza ou não se valorizarão, a situação é ainda mais grave.
A segunda intenção do artigo é ressalvar que o crédito nem sempre é ruim.
Aliás, havia muita pertinência na principal razão que deu origem à criação desse instrumento financeiro: possibilitar que as pessoas distribuíssem o consumo entre períodos de maior e menor necessidades, construíssem ativos e realizassem sonhos de grande monta. Sonhos que raramente caberiam em salários mensais ou que, em muitos casos, só poderiam ser realizados muito tardiamente no ciclo da vida das pessoas: como a casa própria ou o carro.
Crédito, tal como foi concebido, estava ligado à construção do futuro e não à sua destruição. Mas é o uso distorcido do instrumento, e não aquele original, que estamos presenciando.
Em épocas de juros muito altos, irresponsabilidades cometidas tanto na concessão, quanto na contratação do crédito, estão comprometendo o futuro das pessoas e em nada colaboram para a construção de ativos ou para o crescimento sustentável da sociedade.
O alto comprometimento de rendas futuras
As pessoas estão comprometendo parte substancial de seus rendimentos com o pagamento de juros e multas. Quanto mais pobres, maior a proporção de comprometimento em relação ao salário. Quem ganha R$10 mil e deve R$100, deve apenas 1% da sua renda. Mas quem ganha R$1 mil e deve R$100, esse comprometimento é de 10%.
Grande parte desse endividamento ocorre para complementar salário mais curto do que o mês. Ou então, para adquirir produtos que foram prontamente consumidos, quebraram, se desgastaram ou se tornaram insuportavelmente obsoletos muito antes do final das prestações.
Celulares, computadores e aparelhos eletrônicos acumulados nas gavetas ou poluindo a natureza nos lixões são claros exemplos da infalibilidade dessa afirmação. Esses são *ativos que não geram renda nem se valorizam.
Mais? Bem, não raro o dinheiro foi financiado a juros inconcebíveis, às vezes ultrapassando os 300% ao ano.
Como vencer a barreira do endividamento
Crédito pode ser uma parte benéfica da administração financeira se usado responsavelmente.
Costumamos dizer que ao se endividar, a primeira coisa é pensar nas razões para isso, separando-as em positivas e negativas.
Razões positivas
– Comprar uma casa: dependendo dos juros, é claro;
– Comprar um carro: aqui também deve-se avaliar os juros e a real necessidade do carro;
– Fazer um curso que trará benefícios profissionais;
– Aproveitar uma liquidação para adquirir algo que realmente se necessita;
Razões negativas
– Complementar salário;
– Satisfazer caprichos;
– Insistir em manter estilo de vida que não combina mais com a sua renda ou nunca combinou;
– Comprar marcas de grife, quando seu salário diz compre no hipermercado da esquina;
– Comprar mercadorias para mostrar aos outros como você é bem-sucedida.
Evite
Alguns créditos são tão ruins que sobrevivem ao próprio objeto comprado, como já dissemos. Ou seja, os objetos se depreciam, acabam antes que os pagamentos das prestações terminem.
*Ativo: conjunto de valores representado pelas aplicações de patrimônio e de capital de uma empresa ou pessoa. Fonte Dicionário Houaiss