por Danilo Baltieri
"Semana passada tive o maior choque de minha vida. Meu irmão de 34 anos foi preso por corrupção de menores. Ele foi julgado e condenado a seis anos de prisão e sofre com isso. Moro na Dinamarca e aqui se aborda o tema de outra forma: como doença que precisa de tratamento. Ele tinha fotos dele com maiores de 14 anos e menores de 18 no computador. Ele é professor e homossexual. Não sei se existe tratamento específico em Rondônia, onde ele está. O que posso fazer para ajudá-lo? Caso conheça algum psiquiatra na região Norte que trate dessa doença ou psicólogo…"
Resposta: Crimes sexuais contra crianças e adolescentes são sempre abomináveis e provocadores de grande comoção pública. Estratégias de prevenção a este tipo de crime devem ser sempre desenvolvidas e aperfeiçoadas, objetivando a redução significativa deste tipo de ato.
Ocorre que entre aqueles que cometem crimes sexuais contra crianças e adolescentes, uma proporção variável sofre de transtornos psiquiátricos diversos. Os principais transtornos psiquiátricos observados nessa população são: problemas com o uso de álcool e outras drogas, impulso sexual excessivo, transtornos da preferência sexual ou parafilias (como a pedofilia), transtornos de personalidade e transtornos do humor.
Entre os agressores sexuais de crianças, esses transtornos psiquiátricos por si só muitas vezes NÃO provocam a substituição da pena por uma medida de segurança. Isso porque, nessas situações em pauta, esses transtornos raramente perturbam a capacidade do agressor de entender o caráter criminoso do fato, embora muitas vezes possam perturbar em algum grau a capacidade de determinação diante do mesmo.
Gostaria de deixar claro que nenhum especialista no tratamento dos agressores sexuais ao redor do mundo é contra a pena de prisão para os agressores sexuais de crianças ou de adultos. Nós somos contra a falta de avaliação adequada daqueles que praticaram o ato ilícito e a falta de tratamento adequado dentro e fora das prisões.
A pedofilia, por exemplo, é um transtorno psiquiátrico de difícil diagnóstico e tratamento. Apesar disso, uma parcela significativa daqueles que padecem dessa doença consegue responder adequadamente ao tratamento médico e psicológico adequadamente instalado. O indivíduo portador de pedofilia que ofende sexualmente uma criança deve ser adequadamente avaliado por especialistas na matéria e encaminhado para o tratamento adequado.
Frequentemente, o portador de pedofilia não apresenta comprometimento intelectivo, conhecendo assim as repercussões negativas das suas ações nefastas. Contudo, também frequentemente, o portador de pedofilia apresenta comprometimento da sua capacidade volitiva, ou seja, da sua capacidade de controlar seus impulsos, desejos e comportamentos sexuais dirigidos às crianças. Algum grau de prejuízo na sua habilidade de controle impulsivo poderá ser encontrado entre portadores desse grave transtorno psiquiátrico. Dessa forma, o portador desse transtorno que cometeu crime sexual deverá receber tratamento adequado, ter seu risco de reincidência sempre avaliado, e suas necessidades criminogênicas manejadas por profissionais altamente qualificados na matéria.
"Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei" (Art. 3, Lei de Execução Penal). Logo, o tratamento dessa doença médica, apesar dos estigmas que a cercam, é um direito humano básico que deve ser respeitado e instalado.
Dentre vários fatores relacionados ao risco de reincidência criminal para agressores sexuais, ser portador do transtorno psiquiátrico conhecido como pedofilia é um dos mais significativos. Logo, receber uma sanção penal sem a oportunidade de participar de um tratamento adequado não cobrirá as necessidades do preso portador desse mal, nem tampouco promoverá a sua reinserção social.
Na verdade, o manejo legal daqueles que cometeram essas ofensas deve ser corretamente fundamentado, cientificamente embasado, afim de promover justiça.
Maioria dos agressores sexuais contra crianças não são pedófilos
Dentre os casos de abuso ou agressão sexual contra crianças, apenas uma porção dos agressores apresenta o quadro psiquiátrico de pedofilia. Em uma pesquisa realizada no Brasil em 2006, utilizando como amostra apenas sentenciados por crimes sexuais violentos de uma Penitenciária do Estado de São Paulo, entre os molestadores de crianças condenados, apenas 20% preenchiam critérios para o diagnóstico. Já entre os agressores sexuais de adolescentes, apenas 5% preenchiam estes critérios. Este achado é corroborado por outros estudos ao redor do mundo.
De fato, nem todo molestador de crianças é pedófilo e, da mesma forma, nem todo portador de pedofilia é molestador de crianças. Por exemplo, alguns indivíduos que sexualmente abusam de crianças podem, oportunisticamente, selecionar menores para o ato sexual, simplesmente porque estes estão disponíveis em um determinado momento e situação. De outro lado, o indivíduo com diagnóstico médico de pedofilia pode manifestar fantasias sexuais intensas e recorrentes envolvendo crianças e púberes, mas jamais concretizar as fantasias. Embora muitos pedófilos não concretizem as suas fantasias desviadas, alguns fatores psicossociais têm sido apontados como facilitadores da sua expressão, tais como doenças afetivas (depressão), estresse psicológico intenso e abuso de substâncias psicoativas como o álcool.
Quando quaisquer destss fatores ocorrem em uma situação em que o individuo com pedofilia tem acesso às crianças, o comportamento pedofílico torna-se iminente.
Uma iniciativa pessoal adequada seria o próprio indivíduo portador de fantasias sexuais dirigidas às crianças procurar ajuda médica e psicológica especializada antes de qualquer desenlace indesejado. Para tanto, esse indivíduo deveria procurar ajuda o quanto antes, expondo ao profissional especializado seus problemas, fantasias e impulsos, objetivando melhorar a sua qualidade de vida, evitar qualquer comportamento sexual ilícito e impróprio, readequar sua própria vida sexual e inserir-se socialmente.
Existem alguns serviços médicos especializados no Brasil que oferecem tratamento às parafilias em geral. Um deles é o Ambulatório de Transtornos da Sexualidade das Disciplinas de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex), que oferece tratamento médico e psicológico a portadores de parafilias há 10 anos. Esse serviço oferece tratamento, respeitando os limites de agenda. O telefone de contato é (11) 4993-7226.
Espero que seu irmão, durante o cumprimento da pena, possa ser adequadamente avaliado e, caso necessário, seja-lhe ofertado tratamento adequado, objetivando a melhora da sua qualidade de vida, reinserção social, modificação do estilo de vida e alívio do próprio sofrimento.