por Regina Wielenska
Quatro dias de férias na casa da amiga, quer convite melhor? Em pleno inverno, abasteci minha mala com quase 13 quilos de roupas quentinhas e bacanas. Sem me esquecer de acessórios como calçados confortáveis, cachecol, capa de lã e xale. Embarquei acompanhada de uma amiga, também convidada para os dias de paparico.
A esteira das malas girou muitas vezes até que me dei conta de que minha bagagem não viria. Chegara minha vez na loteria das malas perdidas. No mesmo escritório de reclamação de bagagem, outra passageira, vinda do Reino Unido, reivindicava duas malas grandes. Minha situação pareceu-me menos dramática que a dela, apenas comparando número de volumes desaparecidos. Preenchi o formulário pela web e fomos para a casa da amiga, eu me senti impotente, raivosa, insegura, um monte de coisas.
No trajeto longo até a casa da amiga que nos receberia, com a cabeça a mil, me lembrei de que a ausência de meus pertences não poderia destruir a experiência que escolhêramos ter: curtir dias entre amigas num local maravilhoso. O blog Mindful Balance já me ensinara isso, e meu treino clínico em terapias baseadas em Mindfulness caminhava nessa direção. Eu eme percebi numa espécie de situação-teste, não que a vida tivesse uma Central de Avaliadores que me dariam pontos positivos ou negativos no game da vida, a depender de como eu reagisse frente a essa decepção.
Foquei na solução: precisava comprar meus remédios, meu antibiótico de uso contínuo só seria problema no dia seguinte, quando completaria 24 horas da última tomada (tenho plano de saúde, isso poderia me ajudar), alguma roupa seria bem-vinda, itens de toalete também. Fiz a lista mentalmente e parti pro primeiro dia da jornada de frugalidade nestas férias.
Fomos recebidas com delícias à mesa, apoio emocional e prático de primeira categoria. Combinamos comprar o básico dos básicos naquela noite mesmo, a mala poderia chegar na manhã seguinte. A estratégia de um dia de cada vez foi muito útil. Não demorou muito, e passei a focar nas bênçãos como a força da amizade que me cercava, a beleza da cidade, suas paisagens, gente, sabores e cultura. Saímos às compras. Tiver azar com lingerie, coisa tão feia que deu pra rir muito. Prometi que a calcinha de algodão iria virar pano de chão ao voltar pra casa! A blusa era bonita, e a lista da farmácia foi resolvida quase por inteiro. Usei itens de perfumaria da anfitriã, que se desdobrou pra me ajudar. Minha bagagem coube numa sacolinha de mão, coisa de 3 quilos ou menos. A dona de casa lavou a blusa que trouxera no meu corpo, usaria a outra até que secasse. Dois dias pra cada.
Nada da mala aparecer. Pelo celular chequei 3 vezes ao dia o status da novela da mala sumida. O fato é que reavi a mala, intacta, ao final do terceiro, e penúltimo, dia da viagem. Tomei uma decisão interessante, até meu retorno continuaria sem usar a bagagem perdida, só abri concessão para o antibiótico nela contido.
Deu tudo mais do que certo. Mostras de arte, altos bate-papos, visita ao mercado, passeio de trem de luxo, com vista deslumbrante da Mata Atlântica, no ônibus que nos trazia de volta de Morretes confortei uma senhora que chorava em fúria com o marido sempre atrasado nas paradas do passeio (ela caiu em gargalhadas com minha narrativa da calcinha medonha que seria destinada ao rodo de chão), brinquei com a cachorrinha da família, provei sabores de diferentes culturas, aprendi sobre Matisse, provei o café da terra. Tudo com praticamente a mesma roupa, com pertences demasiadamente restritos e vivendo na incerteza (terei de volta a pelerine de lã que era de minha mãe? E meu óculos de grau turquesa? E isso ou aquilo?).
O ponto central foi que ter conseguido viver a experiência interna de perda e relativo desamparo abrindo espaço para coexistência da alegria durante minhas férias entre amigas muito especiais. Quanto mais terrível for um episódio ou fase, mais precisamos abrir no peito espaço para dor e também para a gratidão e encantamento com as miudezas da vida.