Maravilhamento perdido

por Regina Wielenska

No fim de semana viajei de avião por cerca de 70 minutos ao lado de uma família cujo filho único, com cerca de 5 ou 6 anos, não parou de falar um minuto sequer. Mãe isso, mãe aquilo, mãe aquele outro, ela foi chamada dezenas de vezes com obstinada fidelidade. O pai teve suas vezes, mas bem menos! O guri queria saber pra onde iam, se encontrariam o padrasto que mora em São Paulo, que lanche do cardápio ele poderia comer (na verdade, o serviço de cardápio não operava naquele voo).

Continua após publicidade

Três coisas me chamaram a atenção de modo especial. Na decolagem ele entusiasticamente começou a contar, desde a aceleração, quantos segundos faltavam até que a aeronave se desprendesse do solo. Segundo ele, uns trinta e um empolgantes segundos. Parecia a torcida testemunhando a seleção do Brasil ganhar da Alemanha de dez a zero. Sua alegria era evidente, o piloto parecia ter feito um milagre, ou feito heroico. Não demorou muito, o menino, grudado na janela solta essa: “Mãe, mãe, olha lá fora, como o Brasil é lindo!” Não consegui ouvir tudo que disse, mas era puro encantamento. Mais tarde, quando o piloto comunicou que dariam início à aterrisagem, ele mira de novo a janela, observando casas, vias públicas, rios, prédios e áreas verdes, tudo numa mistura urbana complexa, e solta essa: “Como é grande o mundo, mãe!”.

Adultos, em sua maioria, viajam em meio ao tédio, adormecem, se fixam numa leitura, olham a paisagem externa como se nada fosse de especial, alguns dão graças aos céus que o avião subiu e desceu em segurança, outros se isolam do mundo da cabine mergulhados na música e de olhos fechados. Estamos anestesiados, nos isolamos e dificultamos que novas cores, palavras, sensações nos modifiquem de alguma forma.

Crianças podem se encantar com o percurso das formigas, a vassoura esguia largada num canto, o pistilo das flores, o rabo do cachorro. Para os sentidos infantis a experimentação pode não ter fim. E essa variação de experiências produz emoções diversas, evoca questionamentos e comentários. Já os adultos perderam essa capacidade de maravilhamento perante a natureza física ou o mundo das relações humanas.

Desafio

Continua após publicidade

Lanço o desafio da semana, a cada dia, por 5 minutos, vocês conseguiriam examinar o mundo como fazem os pequenos? Enxerguem o que deixamos passar batido, cheirem, saboreiem, tateiem o mundo. Levantem hipóteses, façam indagações, se divirtam com cada ervilha ou grão de feijão do almoço.

Como será que fica o humor de um adulto que brincou despudoradamente de ser criança?