por Roberto Goldkorn
Li o livro do Paulo Coelho 11 Minutos. Como sempre o autor consegue nos envolver pela fórmula da simplicidade, da narrativa linear e com uma história no mínimo interessante. Ele trata de um tema muito instigante e ainda tabu, do masoquismo como forma de prazer.
Na vida real a quantidade de pessoas que se descobre masoquista e acaba praticamente se “viciando” nessa prática é muito grande porém igualmente secreta. Claro que o meu leitor inteligente, sagaz já deve ter dado seu passo à frente e estará se perguntando: Mas se tem tanta gente assim que obtém prazer rimando amor com dor, deve ter um contingente do mesmo tamanho que se encarrega de satisfazer a necessidade do masoquista: O sádico. Sim, é isso mesmo, está formado o par perfeito.
Embora haja sádico que goste de sofrer também, e masoquista que assume às vezes o chicote, em geral os papéis são bem definidos: aqui quem gosta da dor como via única para o prazer só gosta de sentir dor, ser humilhado e subjugado e, vice versa. Para os analistas mais liberais, na arena sexual esse jogo não passa de uma fantasia mais extrema, onde existem regras e no fim ninguém se machuca de verdade. Mas para quem procura ver “O outro lado” esse comportamento pede uma reflexão mais profunda e pode levar a conclusões perturbadoras.
Não posso dizer que tenho uma grande experiência profissional com clientes que se declararam masoquistas, e nula com clientes sádicos. Mas essa pouca experiência somada a estudos sobre o assunto, me mostram que principalmente no que toca às mulheres masoquistas, esse traço está ligado à baixa autoestima, e uma relação conflituosa com a figura paterna. Mesmo quando a mulher com esse viés de comportamento sexual, não demonstra ostensivamente seu desejo de casar prazer com dor, muitas vezes por medo da reação de seu parceiro ou medo das consequências, isso é demonstrado de outras formas. Por exemplo, atraindo para a sua vida homens que de uma forma ostensiva ou mais sutil, irão encenar o papel de sádicos e a farão sofrer, ainda que o prazer advindo não seja óbvio e nem imediato.
Devemos lembrar que “todo ato sexual em si, implica numa dose de agressividade ou violência”, tanto que Freud concluiu que a mulher guardava um ressentimento oculto eterno contra o homem que a desvirginava. Em algumas sociedades clássicas, segundo o mestre da psicanálise, justamente para evitar isso as mães levavam suas filhas a estátua do deus Príapo para que elas perdessem a virgindade através do pênis de mármore do deus sempre pronto para a ação.
O masoquismo feminino pode ser a face desvelada de uma baixa estima aguda, se esse comportamento se expandir para a vida amorosa, onde inconscientemente ela irá buscar homens que a façam sofrer. Já o sadismo deve ter a mesmíssima origem, apenas a reação do indivíduo é oposta. Já sabemos que o mesmo estímulo pode provocar nas pessoas reações opostas: Diante de uma ameaça, posso reagir com medo e me esconder/ fugir, ou com ira e partir para cima/atacar. Diante de uma humilhação posso me submeter e aceitar, ou me rebelar e confrontar. Mas o estímulo original é igual.
Sadismo social
Não vejo nada de errado ou de patológico em práticas sadomasoquistas que se restringem à vida sexual das pessoas, desde que isso as façam felizes e não restrinjam a sua forma de obter prazer. O problema começa se a necessidade de sentir dor para obter prazer extrapola o sexo e permeia a vida social e afetiva. Mesmo o sadismo que recebe sempre maior dose de repúdio social e cultural, pode ser inocente se obedecer às regras estipuladas no jogo sexual e não sair dali para o mundo.
Chefes sádicos que sentem prazer em ver seus funcionários chorando ou tremendo de medo são a verdadeira ameaça, e não o que se faz de forma consentida entre quatro paredes. Outro fator que preocupa está associado à cultura dominante que pode gerar culta e remorso aos que de alguma forma descobriram o prazer através da dor. Tenho clientes masoquistas que sofrem mais com a “condenação” social do tipo (“ah se eles soubessem o que eu faço…”) do que com a dor física que recebem dos seus parceiros. Não há razão para tal. Esse sofrimento “moral” sim é terrível e não traz nunca o prazer.
Se usarmos a metáfora sexual para olhar as nossas relações sociais e afetivas, vamos ver que são facilmente distinguíveis dois grandes grupos de atores: os sádicos e os masoquistas. Mas diferentemente do que acontece no sexo, onde ninguém se machuca de verdade e ainda de brinde ganha orgasmos, na vida social esses papéis são terríveis. A dor das humilhações, da violência doméstica, dos assédios morais na escola ou no trabalho não tem graça nenhuma.
Diferente do que acontece na relação sexual, os sádicos sociais não respeitam a ordem de chega, basta, eles só param quando são parados. Esses sim deveriam ser assombrados pelos fantasmas da culpa moral, mas quase nunca o são. Ironicamente a sociedade está mais propensa a condenar e criticar os S&M sexuais do que os perversos que espalham sofrimento e dor entre os mais fracos dentre nós.