por Ceres Alves Araujo
Gilles Lipovetsky é um filósofo francês, teórico da Hipermodernidade, autor do livro: A Terceira Mulher, dentre outros. Ele diz: "Nossa época iniciou uma transformação sem precedente no modo de socialização e individualização do feminino, uma generalização do princípio de livre governo de si, uma nova economia dos poderes femininos: é esse modelo histórico que chamamos de a terceira mulher".
Anteriormente, a maternidade construía e dava significado à identidade feminina, mas ocorreu uma transformação no mundo, passando a existir uma valorização da mulher que busca uma carreira profissional. Houve a legitimação do trabalho feminino assalariado, o recurso do controle da concepção e a possibilidade do adiamento da maternidade pelos avanços da medicina.
Terminou a era onde a existência feminina se ordenava em função de caminhos pré-traçados: casar, exercer as tarefas da casa e ter filhos. Uma nova ordem social se instalou, o que permitiu às mulheres inventar a própria vida. Abriu-se um universo de escolhas em relação à atividade profissional, à vida social e à vida familiar, escolhas permitidas na maioria das culturas. Qual profissão escolher? Qual carreira seguir? Casar ou não casar? Ter filhos? Adiar a maternidade? Não ter filhos? Tudo parece ter se tornado opção individual e um esforço pessoal, ainda que não se possa excluir as oportunidades ou favorecimentos do destino.
Assim, nesse novo cenário, a maternidade faz parte do conjunto de funções femininas e hoje se adequa aos valores de autonomia da mulher. Maternidade é uma função, uma prerrogativa e não uma profissão. Aliás, nunca se definiu como profissão. Oficialmente, a profissão das mulheres "só mães" era a "do lar" ou a de "prendas domésticas". Hoje, raramente se veem essas denominações no preenchimento da profissão nos documentos.
Existem, entretanto, nos nossos tempos, mulheres que optam por se ocuparem apenas dos filhos. Em geral, são pessoas que não têm necessidade de atividade assalariada, ou por viverem de rendas próprias, decorrentes de patrimônios herdados ou por serem sustentadas por maridos ou pais de seus filhos. É uma escolha e cumpre ressaltar que nos tempos hipermodernos, toda escolha individual é válida e precisa ser respeitada.
Nos dias de hoje, maternidade pode ser profissão?
Pesquisas mostram que mães de períodos integral, de dedicação exclusiva não são necessariamente melhores mães que as que trabalham. Sem dúvida, as crianças precisam muito de suas mães, principalmente durante os primeiros anos da infância. Mas, a qualidade da maternagem não é medida apenas em tempo. Ter tempo para os filhos é importante sim, mas a disponibilidade interna da mãe para se sintonizar com as necessidades e desejos do filho é algo essencial.
É duro coadunar maternidade e profissão e as mulheres que realizaram essa escolha, precisam fazer um esforço hercúleo. Elas se colocam metas ambiciosas: garantir os melhores cuidados e atenções aos filhos e progredirem bem nas suas carreiras e isso, não raro, sem contar com os auxílios, pelos quais elas pagam impostos, por exemplo creches para os filhos. As dificuldades existem até com as próprias escolas dos filhos, articuladas em função de conceitos antigos, que, por exemplo, marcam reuniões de pais no meio dos períodos do dia. Existe, de fato, uma dissintonia entre as opções possíveis que teoricamente a sociedade oferece e as condições da vida prática.
No caso das mães que optaram por serem apenas mães, existe a possibilidade de preencher totalmente o tempo com os cuidados dos filhos pequenos. Podem acompanhar literalmente a criança em todas as suas atividades de vida diária, algo que constitui, em geral, fantasias desejosas das mães que também têm carreiras profissionais. Porém, as crianças crescem, se transformam em pré-adolescentes, passando a ser para eles, o amigo a melhor companhia e não a mãe. Depois se transformam em adolescentes e em função da necessidade de autonomia, precisam se afastar psicologicamente do mundo dos pais. A mãe que tinha seu tempo todo preenchido pelo tomar conta de suas crianças, verifica que elas não mais existem, pois se converteram em indivíduos independentes dela. Que fazer, então, com o enorme espaço de tempo que se abriu?
Embora ser mãe não seja uma profissão, é importante que aquelas mulheres que escolheram se dedicar só à criação de filhos, planejem o que farão a partir do momento em que os filhos começam a crescer. Faz-se necessário pensar sobre esse "aposentadoria" dos cuidados da maternidade, buscando alternativas, até mesmo profissionais, que continuem a dar alegria e sentido para as suas vidas.