por Patricia Gebrim
O tempo passa. A gente finge que não, mas um dia é obrigado a comprar um par de óculos porque começamos a confundir formigas com letras ambulantes.
A resistência para aceitar essa primeira limitação é grande, eu sei. Teimosos, fingimos que não está acontecendo, compramos óculos de grau na farmácia, desses que dizem que não devemos usar, e usamos escondido. Afinal, temos que conseguir escolher algo no cardápio do restaurante, pior ainda se for um daqueles restaurantes românticos, à luz de velas que não iluminam nada (viva a lanterna dos smartphones!). Vou contar a vocês um segredo. Os mais resistentes pedem sempre bife com batata frita, só para não “dar bandeira”, ou usam aquele chavão:
– Ah, hoje vou deixar você escolher. Me surpreenda! (não caiam nessa, é presbiopia – vista cansada – mesmo!)
O tempo passa. Os joelhos, essa parte meio esquisita do corpo na qual nunca tínhamos sequer pensado, de repente começam a doer ou a fazer ruídos estranhos, e para parecer mais divertidos do que desesperados, dizemos que essa é a nossa versão “crocante”.
O corpo muda, é fato, e isso assusta muita gente. E com isso aprendemos a fazer as coisas com mais cuidado e atenção, e a cuidar da postura e da alimentação, o que deveríamos ter feito desde sempre. Mas o fato é que mudamos por dentro também, e nesse caso – ufa!!! – para melhor, muito melhor! Já nos conhecemos razoavelmente bem, já conhecemos melhor o mundo e as pessoas.
Finalmente aprendemos que a coisa mais preciosa da vida é o tempo, e passamos a utilizá-lo com mais sabedoria. Deixamos de nos enganar, como tantas vezes já fizemos. A sabedoria que vem com os anos nos liberta e finalmente deixamos de nos cobrar a perfeição social. Rasgamos as máscaras e paramos de aceitar tudo e todos, passamos a ter mais critério em nossas escolhas (ao menos os que vão se tornando sábios e não apenas mais velhos!). Passamos a escolher onde e com quem desejamos de fato estar. Passamos a trocar quantidade por qualidade.
Já não aceitamos ficar horas em pé num evento social com um sorriso falso pendurado na cara só para sermos aceitos ou parecermos “bacanas”. De repente nos permitimos ser “de verdade”, e como efeito colateral passamos a desejar que as pessoas sejam de verdade também. E lá que se vai um bom lote de pessoas, que conscientemente decidimos deixar do lado de fora de nossas vidas. Uma perda? Claro que não! Ganhamos tempo e energia para dedicar a quem de fato nos merece, a quem de fato se importa com quem somos e não apenas com o que podemos lhes oferecer.
A chegada dos anos nos ajuda a compreender melhor esse mercado dos relacionamentos, a separar o joio do trigo, a entender a diferença entre uma pessoa generosa e as que apenas querem nossa “amizade” para obter algum tipo de ganho ou vantagem.
Também passamos a simplificar a vida e a gostar mais de coisas simples e pequenas que antes passavam despercebidas diante de nossos olhos e corações.
Tudo vai se descomplicando, é como se um véu fosse tirado da frente de nossos olhos e conseguíssemos ver a beleza que sempre esteve lá. Parece que antes estávamos tão enfeitiçados que não enxergávamos o óbvio. Finalmente libertos, começamos a ver o mundo de uma forma parecida como o víamos quando éramos crianças, e redescobrimos o pôr-do-sol, a beleza da primeira estrela a surgir no céu, o botão singelo de flor, a gotinha d’água escorrendo tímida pela vidraça… E é tão bonita… a vida.
Passamos a sentir o coração se enternecer com um animalzinho de estimação, com o sorriso de uma criança, com o urso que ficou sem casa quando o bloco de gelo derreteu. (Eu sempre choro nessa parte).
Aos poucos vamos mudando o nosso ponto de equilíbrio, passamos a valorizar mais o que acontece dentro de nós e a dar menos importância ao mundo externo das aparências. E dentro de nós tudo tem um sentido tão mais profundo. O nosso íntimo é como a profundeza de um oceano azul mesclado a dourados raios solares, numa combinação perfeita e silenciosa, tão bela que as palavras nunca poderão expressar. Como nunca tínhamos percebido isso antes? Como não tínhamos descoberto esse tesouro enterrado em nossas próprias profundezas?
Não importa o que nos rodeie, sempre existe um lugar de paz e beleza em nosso íntimo e essa é a maior das descobertas que a passagem dos anos nos traz. Começamos a ver grandeza em pequenos gestos e atitudes que antes não conseguíamos sequer compreender. Passamos a valorizar mais as pessoas, os relacionamentos, o toque silencioso de uma mão tranquila, que segura a nossa numa noite fria, aquecendo não só o nosso corpo mas também nosso coração.
Sem nos importar tanto com o que pensam de nós, finalmente passamos a viver uma liberdade linda, que tem gosto de sorvete de chocolate numa tarde de verão. É leve, sabem?
Não temam seu próximo aniversário. Ou o outro, o outro… ou o outro.
Eu prometo a vocês, a passagem dos anos pode ser bela assim! Não quer dizer, que será assim para todos. Mas para aqueles que forem corajosos o suficiente para se afastarem da superfície das coisas, para aqueles que forem curiosos o suficiente para mergulharem em si mesmos, para aqueles que forem persistentes o suficiente para nunca desistirem da busca da própria alma, eu prometo, será assim. E lá, em algum ponto da sua estrada, você encontrará, finalmente, o pote de ouro; sua essência, sua luz, sua paz.
Ele sempre esteve lá, e sempre estará, no seu íntimo, esperando por você.
Dez lições vindas com a maturidade:
1ª) O corpo muda e passamos a ter mais cuidado com ele (ex: postura, alimentação);
2ª) Adquirimos autoconhecimento e mudamos para melhor;
3ª) Aprendemos que a coisa mais preciosa da vida é o tempo, e passamos a utilizá-lo com mais sabedoria;
4ª) Deixamos de nos cobrar a perfeição social, no sentido de agradar e sermos aceitos;
5ª) Passamos a escolher onde e com quem desejamos de fato estar;
6ª) Entendemos a diferença entre uma pessoa generosa e as que apenas querem nossa “amizade” para obter algum tipo de ganho ou vantagem;
7ª) Passamos a simplificar a vida e a gostar mais de coisas simples (ex: um simples pôr-do-sol);
8ª) Essa simplicidade nos ajuda a enxergar o óbvio que antes não enxergávamos;
9ª) Passamos a valorizar mais o que acontece dentro de nós e a dar menos importância ao mundo externo das aparências;
10ª) Aprendemos que sempre existe um lugar de paz e beleza em nosso íntimo e essa é a maior das descobertas!