por Patricia Gebrim
Hoje eu encontrei uma orquídea no lixo. Sim, bem ao lado da lixeira, lá estava ela, com sete lindas flores abertas e ainda firmes, cheia de verde e majestade.
Sempre achei as orquídeas majestosas, como se fossem as princesas ou rainhas das flores. Mal acreditei… Quem teria decidido jogar fora tamanha beleza? Sem pudor, recolhi a flor e a levei para minha sala, coloquei água (não muito, pois sei que orquídeas, aristocráticas que são, não são muito de água). Agora, sentada em frente ao micro, buscando inspiração para escrever este artigo, preciso lhes contar que a orquídea, lá do canto perto da janela, sussurrou na lingua das flores:
– Escreva sobre mim!
E aqui estou eu, cedendo aos caprichos de uma orquídea rainha abandonada, e confesso, não faço a menor ideia do que virá a seguir. O que será que essa flor tem a me dizer?
Lembrei agora de uma história que li certa vez, ainda criança, sobre uma árvore, linda e viçosa, que foi cortada para enfeitar o natal de uma casa qualquer. No início era só alegria, a arvorezinha toda orgulhosa de carregar todas aquelas bolas coloridas, a estrela brilhando na ponta de seu galho mais alto, as crianças a olhando com olhos cheios de coração… Mas depois a festa acabou, e chegou o triste fim de arvorezinha, nem vou continuar a contar porque essa história me emociona, na verdade me entristece… De forma parecida com o que sinto ao olhar para a orquídea.
E penso em todas as vezes em que simplesmente nos descartamos. Nos livramos de objetos, flores, animais; apenas por que já não nos servem da maneira como gostaríamos que servissem. Usamos, e descartamos. Jogamos fora. No lixo. Simples assim, predadores que somos. Nunca entendi, por exemplo, uma pessoa que adota um animal e depois, por um motivo qualquer, simplesmente decide se desfazer dele, como se fosse um brinquedo quebrado.
Como se não bastasse, fazemos isso também com pessoas. Descartamos pessoas, como se tivéssemos ficado cegos em certo momento, cegos de sensibilidade. Baseamos nossas relações no uso e abrimos mão da beleza inerente a cada ser. Acreditem, essas flores ainda são belas. Talvez já não estejam no auge de sua beleza, mas há algo em sua fragilidade que enternece meu coração, e me lembra de minha própria fragilidade, e me coloca em contato com meu próprio processo, com a passagem inevitável do tempo. Penso na beleza que vem surgindo com a maturidade, diferente da beleza do viço juvenil, é uma beleza de alma, que torna nossas palavras mais suaves, nossas ações mais comedidas, nossa voz mais baixa e nosso coração mais sábio.
Talvez essa orquídea seja uma orquídea anciã, não sei, mas está me ensinando muitas coisas. Mas aprender com orquídeas que apanhamos no lixo talvez seja uma oportunidade que só podemos ter a partir de certo momento de vida, quando aprendemos a valorizar coisas que os muito jovens ainda não conseguem vislumbrar.
Como explicar, à explosiva primavera florida, a profundidade da beleza contida num mar de folhas preguiçosamente espalhadas sobre a rua, num dia luminoso de outono?
Em um artigo como este, quanto menos eu explicar, melhor. Algumas coisas não podem ser explicadas, só sentidas. E eu conto com sua sensibilidade para sentir o que estou dividindo com vocês. E eu desejo que sigam pela vida atentos à vida em suas inúmeras formas, às belezas não tão evidentes.
E que saibam cuidar, das flores, dos animais, das pessoas… Principalmente de si mesmos.