por Rosemeire Zago
“Não são os traumas que sofremos na infância que nos tornam emocionalmente doentes, mas sim a incapacidade de expressá-los”
Alice Miller (Ph.D. em psicologia)
Um dos assuntos que mais me preocupa, pois vejo todos os dias suas consequências nos atendimentos em meu consultório, são os casos de maus-tratos em crianças e/ou adolescentes.
Atendo apenas adultos, que chegam sem amor próprio, baixa autoestima, insegurança, sem noção alguma de valor, o que resulta em conflitos e muitas dificuldades na vida afetiva, profissional e pessoal, ou seja, o que acontece na infância afeta toda uma vida futura.
Pretendo seguir com uma série de artigos sobre o assunto, tanto para abrir espaço para pessoas que foram vítimas, saberem que podem e devem buscar ajuda profissional, como também alertar pais e responsáveis sobre essa educação, que ainda infelizmente existe; onde se acredita que se pode educar uma criança com agressões verbais e físicas. Essa “deformação” em nome da educação, faz tudo, menos educar.
O abuso infantil, ou maltrato infantil, é o abuso psicológico, físico e/ou sexual em uma criança, por parte de seus pais ou responsáveis. Ocorre quando “um sujeito em condições de superioridade (idade, força, posição social ou econômica, inteligência, autoridade) comete um ato ou omissão capaz de causar dano psicológico, físico ou sexual, contrariamente à vontade da vítima, ou por consentimento obtido a partir de indução ou sedução enganosa.
A criança precisa de segurança através de emoções saudáveis para compreender os próprios sentimentos. Um ambiente familiar de violência (química, emocional, física ou sexual) é tão apavorante para a criança, que ela não consegue manter a própria identidade e para sobreviver a dor, passa a focar apenas o exterior e com o tempo ela perde a capacidade de gerar autoestima que vem do seu interior, não sabendo identificar quem ela é, sem noção do seu próprio eu.
O comportamento agressivo por parte dos pais e/ou responsáveis pode ser resultado da violência na infância e da mágoa e da dor não resolvida. Sim, o lamentável é que um adulto agressor em geral também foi vítima de maus-tratos quando criança.
Parte dos pais que emprega a violência física como forma de educação, estão repetindo os atos de seus próprios pais. A criança impotente e ferida transforma-se no adulto agressor. Muitas formas de maus-tratos contra crianças fazem delas um agressor. Foi provado cientificamente que crianças castigadas podem ser mais obedientes a curto prazo, mas a longo prazo tornam-se mais agressivas e destrutivas. Porque na verdade elas tornam-se obedientes não por respeito ou por terem aprendido algo, mas por puro medo.
O tipo mais frequente de maus-tratos contra a criança ou adolescente é a violência doméstica, que ocorre na maioria das vezes no convívio familiar. Sim, é triste, mas essa é a nossa realidade. Quem os comete? No abuso sexual em geral é feito pelo pai, irmãos mais velhos ou tios.
Também considero importante ressaltar que crianças que assistem à violência são vítimas da violência, ou seja, espancar a mãe na frente da criança, equivale a espancá-la. Por isso muitos adultos, mesmo não tendo sido vítimas de agressões, por exemplo, viram sua mãe apanhar do pai, têm as mesmas sequelas de quem foi agredido.
Há 3 tipos de agressões e é importante entender suas definições:
– Violência psicológica/emocional: Envolve agressões psicológicas como xingamentos ou palavras que causam danos à criança. A rejeição, depreciação, discriminação, humilhação, desrespeito e punições exageradas são formas comuns desse tipo de agressão, que não deixa marcas visíveis, mas causa danos por toda a vida. Gritar, esbravejar com a criança é violar sua noção de valor. Chamar uma criança de estúpida, boba, louca, burra, está ferindo a criança com cada palavra.
A violência emocional deixa como sequelas: perfeccionismo, rigidez e controle.
Pais muito exigentes, não importando o que a criança faça, nunca consegue corresponder às expectativas. Nada do que diz, pensa ou sente está certo, a criança sente-se sempre errada.
– Violência física: Uso da força ou atos de omissão praticada pelos pais ou responsável, com o objetivo claro ou não de ferir, deixando ou não marcas evidentes. São comuns tapas e murros, agressões com diversos objetos e queimaduras causadas por objetos líquidos ou quentes.
Sim, é preciso entender que omissão por parte de um dos pais, diante da agressão do outro, também é abuso e considerado crime tanto quanto a violência.
Fala de uma criança: “não sei onde minha mãe estava enquanto meu pai me batia, mas sei exatamente que ela não me defendeu, nem com palavras, nem com ações”. O que o mais sensato dos dois genitores estava fazendo quando a criança mais precisava de sua proteção?
Uma criança espancada, arrastada, esbofeteada, ameaçada, dificilmente acreditará que é especial e maravilhosa. O castigo físico corta o elo que a liga ao pai ou a mãe que a maltratam.
A emoção do passado, não resolvida, geralmente é usada contra a própria pessoa. Exemplo: quando adultos podem bater no próprio rosto com os punhos fechados, como sua mãe fazia com ele quando criança.
– Violência sexual: abuso do poder, no qual a criança ou adolescente é usada para gratificação sexual de um adulto, sendo induzida ou forçada a práticas sexuais com ou sem violência física. O abuso sexual pode incluir carícias, exploração sexual e linguagem obscena. A violência sexual causa um ferimento mais profundo do que qualquer outra forma de violência. Uma pessoa violentada sexualmente sente que não pode ser amada pelo que ela é.
O assunto é triste, mas precisa ser falado, discutido, deixar de ser um assunto tabu, oculto em dores silenciadas, que muitas vezes se fazem presentes por sintomas e doenças, e que possamos cuidar dos adultos com suas crianças feridas, para que assim deixem de criar outras crianças feridas, e quem sabe assim, as crianças de hoje possam ser tratadas com todo respeito que merecem, evitando que as dores causadas deixem um rastro com sequelas por toda uma vida.