por Gilberto Coutinho
Os hastha-mudrás fazem parte de antiguíssimos e preciosos ensinamentos da ciência yoga. Durante milhares de anos, o saber existente por detrás da anatomia, fisiologia e simbologia dos mudrás manteve-se quase que em completo desconhecimento, conhecido apenas pelos grandes yogues do passado.
Ao longo do tempo, tais ensinamentos foram transmitidos por mestres de grande saber aos seus discípulos.
Toda pessoa interessada em aprender e praticar tais mudrás pode muito beneficiar-se de suas propriedades terapêuticas.
O termo sânscrito “mudraa” ou “mudrá” significa “selo”, “gestos especialmente realizados com as mãos” e/ou “expressões faciais”.
O Kularnava Tantra e o Nigranthu Tantra, dois antigos textos clássicos, mencionam a respeito de seu significado; o primeiro é considerado um dos mais importantes tratados tântricos, pertence à Escola de Kaula (Shakti), escrito em 1150 d.C., trata da relação entre mestre e discípulo. “Hastha” significa “mão”. A raiz “mud” significa “encanto”, “força”, “poder”, “magia”, “prazer”; e o sufixo “dru”, “tornar”, “vir a ser”.
Segundo o Shiva Samhitá (“Coleção dos Ensinamentos de Shiva”), existem dezesseis diferentes categorias de mudrás e diversas subdivisões para cada uma dessas categorias, dentre as quais encontram-se os hastha-mudrás – gestos simbólicos com as mãos. Tal importante tratado de Yoga aborda a filosofia Natha (“mestre, senhor”, título do deus Shiva e de vários adeptos do Tantra, especialmente de Matsyendra e Gorakshanatha), escrito, provavelmente, no século XVII, foi originalmente composto na forma de diálogo, um tanto poético, entre Shiva e sua esposa Parvati, onde ele a ensina a prática do Hatha-Yoga.
Os Hastha-mudrás constituem um grupo importante de gestos ou selos que envolvem posicionamento específico das mãos, dos dedos e movimento da articulação do punho. Os gestos simbólicos com as mãos podem ser constituídos de diversas formas: união do dorso da mão com a palma; das palmas das mãos (justapostas); das pontas de dois ou mais dedos; entrelaçamentos dos polegares; ambas as mãos formando um mudrá, etc.. Destinam-se à prática de concentração, meditação, exercícios respiratórios (para o controle da bioenergia), saudação, oração e, inclusive, no combate de diversas doenças.
Os mudrás são como os mantras (sons considerados sagrados, ou específicos, que conferem à mente o poder de concentrar-se e transcender estados comuns de consciência e auxiliam na manutenção do bem-estar e da saúde), determinam efeitos, quase que imediatos, no corpo energético ou vital, psique, na fisiologia e no comportamento, potencializando as propriedades das técnicas yogues.
Mudrás e concentação trazem benefícios em poucos minutos
Segundo antigos e grandes mestres do Yoga e Ayurveda, a concentração, por alguns minutos, em gestos específicos realizados com as mãos (hastha-mudrás) pode conferir energia, bem-estar, vitalidade, tranquilidade, equilíbrio, proteção, estados elevados de consciência, controle da mente e do prana (energia da vida), alguns siddhis (poderes psíquicos), controle da dor, cura para diversas enfermidades e o despertar da kundalini (energia latente situada no Muladhara-Chakra, na base do cóccix).
O que representa cada dedo da mão
Importantes e sensíveis ramificações nervosas chegam até as pontas dos dedos, assim como também inúmeros e finos canais de energia. Na mão, encontra-se a representação dos cinco elementos da natureza. Cada dedo da mão representa um tattva (elemento) e corresponde a um órgão do corpo: o dedo polegar, o éter ou espaço (cérebro); o dedo indicador, o elemento ar (pescoço, traqueia e pulmões); o dedo médio, o elemento fogo (esôfago, estômago e intestino); o dedo anular, o elemento água (rins, bexiga e aparelho reprodutor); e o dedo mínimo, o elemento terra (pericárdio, coração e sistema circulatório). Cada dedo apresenta uma polaridade ou carga elétrica. O polegar é neutro. O indicador e o anular são de carga negativa. Já o médio e o mínimo, positivos. Pode-se, assim, dizer que quando uma ou mais pontas dos dedos se tocam, forma-se um circuito elétrico.
Num passado longínquo, grandes sábios yogues descobriram que determinados hastha-mudrás poderiam ajudá-los a controlar o prana no organismo, através de cinco gestos denominados Pancha Prana Váyu Mudrás. Na Índia, os hastha-mudrás não são apenas utilizados pelos grandes yogues, vaidyas (médicos ayurvédicos) e brâmanes (sacerdotes védicos), mas também pelos kshátriyas (casta guerreira da sociedade hindu) e pelas devadasis (bailarinas) da dança clássica indiana (Bhárata Natyam). É perceptível a influência dos mudrás nos rituais sagrados das antigas civilizações. Além dos hindus, muitas outras culturas também empregam tais gestos com as mãos: hebreus, cristãos, budistas, etc.
Grandes sábios e personalidades na Índia, como Mahavira (“Grande herói”, considerado o fundador ou reformador do Jainismo), Buddha Gautama (fundador do Budismo), Shankara (maior expoente do não-dualismo hindu, viveu no século VIII d.C., ou talvez um pouco antes), etc. conheciam e praticavam os hastha-mudrás.
É muito interessante a experiência de concentrar e meditar, por um determinado tempo, nos hastha-mudrás, aqui apresentados, e usufruir de seus incríveis efeitos terapêuticos. A sua prática regular e/ou várias vezes durante o dia pode tornar-se de grande valia para aqueles que realmente necessitam de suporte terapêutico, uma vez que não apresentam efeitos colaterais.
Alguns dos hastha-mudrás produzem efeitos terapêuticos em poucos segundos, outros necessitam de mais tempo, para que possam ser percebidos. Alguns são mais fáceis e confortáveis de serem praticados por um tempo maior, outros menos confortáveis, como é o caso do Linga Mudrá (em que se tem de manter o dedo polegar para cima) cujo efeito é muito interessante e benéfico para a saúde e imunidade. Para melhores resultados, deve-se adotar um hastha-mudrá, pelo menos, durante três a cinco minutos.
Mudrás
Aquele que desejar aprendê-los e praticá-los deverá observar atentamente as ilustrações e seguir passo a passo as descrições de como realizá-los corretamente.
As técnicas de meditação são explicadas logo abaixo, após as ilustrações
Mrit Sanjivini Mudrá
Flexione o dedo indicador, fazendo com que a sua ponta toque próximo a base do dedo polegar, sobre a eminência tênar (região proeminente abaixo do dedo polegar). Una, firmemente, a ponta dos dedos polegar, médio e anular, mantendo o dedo mínimo levemente alongado. Faça esse gesto (mudrá) com ambas as mãos.
Propriedades terapêuticas: indicado para pessoas que sofrem de doenças cardíacas. Propicia alívio instantâneo dos sintomas em poucos segundos. Considerado a primeira ajuda para os problemas cardíacos. Em caso de emergência (pré-infarto), deve ser adotado até que o socorro médico chegue. Esse mudrá pode salvar vidas.
Apana Váyu Mudrá
Uma, firmemente, a ponta dos dedos polegar, médio e anular, mantendo os dedos indicador e mínimo levemente alongados.
Propriedades terapêuticas: promove alívio para os problemas urinários. Estimula o organismo a eliminar as toxinas e os resíduos provenientes do metabolismo. Limpa e purifica o organismo. Indicado também nas toxinfecções alimentares, desarranjos intestinais e constipação intestinal.
Prana Váyu Mudrá
Una, firmemente, a ponta dos dedos polegar, anular e mínimo, mantendo os dedos indicador e médio levemente alongados.
Propriedades terapêuticas: fonte de energia, melhora a respiração, a vitalidade, a força e a disposição. Beneficia a visão.
Linga Mudrá
“Lingam” ou “Linga” é o órgão genital masculino, antigo símbolo fálico de poder, força e de Shiva, o criador do Yoga. Ele representa o pênis, órgão da criação e da força vital, a energia masculina presente na origem do universo. Entrelace, firmemente, os dedos indicador, médio, anular e mínimo. Mantenha o dedo polegar da mão direita apontado para cima (alinhado) e o dedo polegar da mão esquerda ao redor de sua base.
Propriedades terapêuticas: sua prática regular, e algumas vezes durante o dia, previne e combate gripes, resfriados, peito congestionado e infecções incuráveis.
Jñana Mudrá
A palavra sânscrita “jñana” significa “conhecimento”, “sabedoria”. O “jñ” tem o som de “guiá”. No entanto, a pronúncia correta é “guiana mudrá”. Esse é o gesto do conhecimento superior. Uma firmemente as pontas dos dedos indicador e polegar. Do nascer do sol até antes o pôr do sol, as palmas das mãos devem permanecer sobre os joelhos ou coxas e voltadas para cima, para que os pequenos chakras nelas existentes captem a energia masculina da natureza. Do pôr do sol até antes o alvorecer, as palmas das mãos devem permanecer voltadas para baixo, para a absorção da energia feminina.
Propriedades terapêuticas: calmante; promove a paz mental, o desenvolvimento espiritual e a criatividade; favorece a prática de concentração e meditação; fortalece a memória, desenvolve a criatividade, auxilia no controle da bioenergia (prana); ativa as nadís (canais sutis de energia) Idá e Pingalá, auxiliando o despertar da Kundaliní.
Shunya Mudrá
Flexione o dedo médio, fazendo com que sua ponta toque a eminência tenar, prendendo-o na posição com o auxílio do dedo polegar, mantendo os demais dedos levemente esticados.
Propriedades terapêuticas: combate dores de ouvido em poucos minutos.
Técnicas de meditação
Fase I – Num lugar tranquilo, sobre uma esteira, adote uma posição sentada com as pernas cruzadas em que tenha domínio, mantenha a coluna vertebral alinhada, preservando a curvatura natural da coluna lombar. Feche os olhos e volte a atenção para o interior. Concentre-se na respiração e procure acalmá-la, assim como a mente, respirando de forma lenta, suave e profunda, prolongando a entrada e a saída do ar dos pulmões, e relaxe todo o corpo, removendo as tensões. A concentração em um determinado hastha-mudrá pode ser também realizada na posição sentada numa cadeira ou, então, deitada no leito (no caso de uma pessoa doente).
Fase II – Adote de forma correta, e por alguns minutos, um hastha-mudrá específico, que propicie o efeito terapêutico a ser alcançado. Concentre-se nele profundamente, direcionando a consciência para as mãos. Durante o exercício, não desvie a atenção. Nenhuma outra ideia ou pensamento deve ocupar a mente. As mãos devem permanecer sobre os joelhos, coxas ou colo.
Fase III – Durante todo o exercício de concentração no hastha-mudrá, faça a respiração completa (Prana Kriya Pránáyámá). Ao inspirar, de forma lenta e profunda, direcione o ar para a base dos pulmões (preenchendo-a), movendo, naturalmente, o abdômen para fora. À medida que o ar preenche o interior dos pulmões, de baixo para cima, sinta as costelas se expandirem lateralmente e o preenchimento da região mediana dos pulmões. E, por fim, a expansão do peito e das clavículas, com o preenchimento da região superior, quando os pulmões encontram-se completamente preenchidos de ar. Ao expirar, primeiro esvazie a região superior do peito, sentindo a retração das clavículas e costelas superiores, depois a região mediana dos pulmões com a retração das demais costelas e, por fim, o esvaziamento da base dos pulmões com o movimento do ventre para baixo. Em outras palavras, os pulmões devem ser preenchidos de ar de baixo para cima e esvaziados de cima para baixo.