Por Jocelem Mastrodi Salgado
Menopausa: que momento é esse, nas nossas vidas, que marca a linha divisória da fertilidade, que altera nosso humor e nossa saúde, e que separa tantas opiniões? Na história da fisiologia feminina, a menopausa talvez seja o evento mais perturbador, mais que a chegada das primeiras regras, na adolescência.
A primeira razão é facilmente compreensível: enquanto a primeira menstruação aparece como sinal de vida, a menopausa é vista como final de um ciclo. Aqui está o primeiro risco de engano. É certo que o fim da menstruação indica que nós mulheres não poderemos mais procriar, que nossos ovários não mais liberarão óvulos que antes poderiam ser fecundados e dariam origem à uma vida. Mas esta é uma fase a ser vista dentro do ciclo natural do organismo. Não significa que a vida estará sendo limitada ou reduzida nas suas perspectivas.
Pelo contrário, a aceitação natural dessa fase da vida permitirá que a mulher se dê o direito de observar melhor seu corpo e possa dedicar a ela própria cuidados que até então só dedicava aos outros. É uma fase rica de reconhecimento e convívio com o território do corpo e da alma.
Este universo de contato entre o organismo que está deixando de ser reprodutor e a mente que começa a fazer seus balanços, não impede que as mudanças no corpo continuem acontecendo. E é sobre as mudanças que a menopausa provoca no organismo e as possibilidades de amenizá-las que gostaria de tratar nesse artigo.
Entenda a menopausa
O estrogênio, hormônio produzido nos ovários, exerce efeitos em todo o organismo feminino. Os sintomas de sua deficiência são observados no climatério, período de transição da vida reprodutiva da mulher, para a fase não reprodutiva.
As conseqüências a longo prazo da deficiência de estrogênio propiciam sintomas desagradáveis e aumenta o risco de algumas doenças. Os sintomas mais freqüentes são os chamados vasomotores, e incluem ondas de calor, suores noturnos, palpitações, cefaléias (dor de cabeça) e vertigens. Sintomas psicológicos podem também ocorrer e incluem depressão, irritabilidade, fadiga e perda da libido.
Entre as doenças silenciosas e progressivas que surgem com a deficiência de estrogênio, destaque para a osteoporose, doenças cardiovasculares, demência e alterações do tecido urogenital, acarretando vaginite, incontinência urinária e dispareunia, um termo utilizado para se referir a dor durante o ato sexual.
Um fato importante e que não podemos nos esquecer é que com o aumento da expectativa de vida, sabemos hoje que a maioria das mulheres deverão viver um terço de suas vidas em estado de deficiência estrogênica, ou seja, na fase da pós-menopausa. Por isso, é fundamental que todas as mulheres se conscientizem da importância da prevenção de doenças, adotando um estilo de vida equilibrado que envolve uma alimentação balanceada, exercícios físicos regulares, manutenção de um peso adequado e restrição do álcool e do fumo.
Paralelamente a essas medidas, a solução mais comum apresentada pelos médicos é a reposição hormonal, substância química capaz de repor o que o organismo não está mais produzindo. Injetável, em comprimidos ou em adesivos, essa droga seria capaz de oferecer às “menopausadas” o equilíbrio do organismo de uma “balzaquiana” de 30 anos.
Tratamento da Reposição Hormonal (TRH) X Terapias Alternativas
Estrogênios, progestagênios e, eventualmente androgênios são frequentemente empregados na terapia de reposição hormonal. A fórmula que fascinou as mulheres especialmente a partir de 1966, quando foi lançado o livro “Feminine Forever” (Feminina para Sempre), do médico Robert Wilson, transformou os hormônios em “pílulas da juventude”.
Em 1975, uma série de artigos em publicações científicas mostraram que o uso do estrogênio provocava um aumento enorme de casos de câncer do endométrio, e por isso, a partir de 1986, doses cada vez menores, associadas à progesterona e aplicadas não somente por ingestão, mas através da pele, em cremes e adesivos, começaram a ser utilizadas. Nessa época acreditava-se que a reposição hormonal poderia reduzir o risco de doenças cardiovasculares, além de reduzir risco de doenças relacionadas ao sistema nervoso, urogenital e ósseo.
Contudo, a partir de 2002, os resultados do estudo do “Women´s Health Initiative Randomized Controlled Trial” (WHI) com 16.608 mulheres menopausadas com idade entre 50 e 79 anos, trouxeram novas informações sobre o uso da TRH. Considerado o primeiro estudo controlado a avaliar o uso de uma terapia combinada de hormônios (estrogênio + progesterona) em relação a um placebo (medicamento inerte ministrado com fins sugestivos), a pesquisa teve que ser interrompida em 2002 pelo governo americano, porque os hormônios causaram aumento significativo do risco de desenvolvimento de câncer de mama, além de aumentar os riscos de ataque cardíaco e derrame.
De acordo com a maioria dos pesquisadores, este estudo é amplamente considerado o mais confiável e cientificamente rigoroso dos muitos estudos sobre terapia de reposição hormonal.
No mês passado, outra notícia ruim sobre o emprego da TRH reforçou os resultados do estudo citado anteriormente. O governo americano interrompeu mais um grande estudo com TRH conduzido pelo Instituto Nacional de Saúde norte-americano, o equivalente ao nosso Ministério da Saúde. Autoridade máxima em questão de saúde, o instituto determinou a interrupção que vinha sendo conduzida desde 1997 com um número imenso de mulheres, 11 mil. O estudo vinha testando o hormônio estrogênio, ao qual se atribuía a capacidade de proteger as mulheres na pós-menopausa das doenças cardiovasculares.
No início do estudo, as primeiras reposições eram feitas apenas com o estrógeno, mas não demorou muito para que os médicos notassem um aumento nos casos de câncer de útero e, por essa razão, somente mulheres submetidas à histerectomia (retirada do útero) participaram do estudo.
A interrupção foi necessária porque foi constatado que a terapia somente com estrógeno não tem efeito sobre o risco de doenças cardiovasculares, além de aumentar o risco de derrame cerebral. Os únicos resultados positivos do estudo apareceram na proteção contra a osteoporose. A notícia não teria tanta gravidade se não viesse na esteira dos outros estudos já citados aqui, condenando a TRH combinada (estrogênios + progesterona).
A grosso modo, é este o cenário que vivemos hoje e a discordância entre médicos e pacientes é enorme. Pelo menos 80% dos ginecologistas e outros profissionais acreditam que a TRH pode e deve ser adotada, desde que o tratamento seja individualizado e os riscos sejam considerados. Entre as mulheres, mais de 70% delas se recusam a adotar essa medicação (as porcentagens aparecem em vários estudos publicados pela mídia). Elas temem especialmente o aumento do risco do câncer de mama.
Tratamentos alternativos em evidência
Uma coisa é fato: frente as evidências relacionadas pelos estudos do Instituto Nacional de Saúde norte-americano, tem sido cada vez mais considerado a relação risco/benefício da TRH, cujo uso indiscriminado tem sido cada vez mais limitado. E nesse meio campo, vem crescendo rapidamente as correntes alternativas. A primeira delas defende que apenas 25% a 30% das mulheres na menopausa precisariam de fato de uma reposição hormonal química.
De acordo com essa corrente, a grande maioria das mulheres sofre apenas sintomas suportáveis da menopausa. Segundo elas, tais efeitos podem ser reduzidos com alimentação adequada, caminhadas e o uso de plantas que produzem substâncias naturais com ação semelhante ao estrogênio. Essas substâncias (plantas), conhecidas como fitormônios ou fitoestrógenos, podem desempenhar, em escala mais amena, mas sem nenhum efeito colateral, o mesmo papel da TRH sintética.
Os fitormônios são encontrados em plantas como a Cimicifuga racemosa, o Yam Mexicano, o Alcaçuz, a Linhaça, o Trevo Vermelho, mas sua fonte mais conhecida e mais abundante é a soja. Os benefícios desse grão já foram constatados em dezenas de pesquisas que compararam as populações orientais, que comem soja diariamente, com as ocidentais, que pouco se alimentam desse grão. A constatação principal é que a mulher oriental sofre menos os efeitos da menopausa, como as ondas de calor, a irritação, a depressão, a perda de libido, além de apresentarem menor incidência de câncer de mama, de osteoporose e doenças do coração.
O grande desafio apresentado pelos médicos – mesmo por aqueles que defendem o uso dos estrógenos naturais – está na definição exata das proporções dessas substâncias. É fácil de entender: enquanto as drogas químicas têm medidas precisas e rigorosas, que não se alteram de um lote para outro e que permitem que o médico prescreva exatamente a dose necessária, os estrógenos naturais à base de plantas não apresentam essa garantia. Há sempre o risco de a planta ter sido cultivada em solo ou temperatura diferente.
Pois esse risco vem desaparecendo com a metodologia adotada por uma equipe de pesquisadores brasileiros. Durante mais de três anos, as isoflavonas, fitoestrógenos encontrados na soja, as proteínas presentes no grão e outros componentes importantes para a saúde da mulher foram avaliados com rigor pela equipe da FUGESP- Fundação de Gastroenterologia e Nutrição de São Paulo, sob nossa coordenação. Todas as propriedades e proporções de cada componente foram investigadas de forma a garantir uma formulação adequada que proporcionasse ao organismo feminino a mesma reposição oferecida por qualquer hormônio químico. Sem os riscos e as desvantagens citadas nesse artigo.
Boas notícias sobre os benefícios da soja
No início de março, ao mesmo tempo que o governo americano interrompia mais um estudo com TRH, acontecia aqui no Brasil, mais especificamente em Foz do Iguaçu, um encontro internacional sobre os benefícios da soja. O encontro de cinco dias reuniu os principais pesquisadores da área, entre eles, médicos, nutricionistas, engenheiros agrônomos, entre outros profissionais.
Durante o encontro, o papel da soja em trazer benefícios para algumas doenças foi abordado. Os pesquisadores chegaram à conclusão que o consumo do alimento é capaz de trazer benefícios para a saúde cardiovascular e óssea. Além disso, de acordo com o Dr. Mark Messina, pesquisador da Michigan State University, o consumo médio de 15g de proteínas de soja + 50mg de isoflavonas (os fitoestrógenos da soja com ação estrogênica), seria capaz de trazer vários benefícios para a saúde da mulher, inclusive reduzir os famosos fogachos, sintoma típico da menopausa.
Na oportunidade, a Dra. Esther Laudanna apresentou o estudo com o alimento à base de soja desenvolvido pela FUGESP, sob nossa coordenação. O estudo, realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP foi conduzido com 98 mulheres sadias, mas que se queixavam dos efeitos da menopausa. Metade delas recebeu o alimento conhecido como Previna e a outra metade tomou um medicamento bastante receitado pelos médicos, à base de estrogênio + progesterona. Depois de dois meses, elas voltaram a ser avaliadas pelo índice de Kuppermann, parâmetros internacionais que classificam os sintomas da menopausa.
Os resultados surpreenderam a coordenadora da pesquisa, a médica Angela Maggio da Fonseca, do Departamento de Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP. Foi constatado que o alimento testado havia demonstrado a mesma eficiência do hormônio sintético, utilizado para comparação, sobre os sintomas da menopausa avaliados. Além disso, a equipe verificou total ausência de reações adversas no grupo utilizando o alimento, ao passo que no grupo com TRH foram observados relatos de tromboflebite, dores nas mamas e hemorragia.
Os resultados dessa pesquisa são, com certeza, uma grande contribuição para a saúde da mulher, mas significa apenas um passo no desafio representado pela menopausa. Muitas pesquisas ainda estão sendo desenvolvidas, tanto do ponto de vista sintético, quanto do ponto de vista dos alimentos. Como cientistas, nossa função é ir mais além, buscar novas fórmulas para a saúde. Como pesquisadores na área da nutrição, nossa missão é buscar nos alimentos substâncias que possam melhorar nossa qualidade de vida.