por Pedro Tornaghi
Um dos 12 trabalhos de Hércules foi limpar os dejetos fecais de centenas de cavalos no estábulo de um rei. Muitos se perguntam se isso é uma façanha digna de estar elencada entre os 12 feitos do mais emblemático dentre os heróis. Talvez seja difícil entender o que há de tão heróico na missão. Hércules não sujou suas mãos. Foi muito prático, desviou o curso de dois enormes rios de maneira que eles lavassem, de uma só tacada, todo o perímetro afetado pela manada real. Mostrou possuir a criatividade, agudeza e objetividade de uma Fênix.
Às vezes precisamos evocar a eficiência e frieza de uma Fênix para dar passos necessários ou para nos desembaraçarmos de percalços em nossas vidas. Entender esse animal, sua natureza e estratégias pode ser fundamental em momentos de dificuldades ou de impasses.
A Fênix é um pássaro quase onipresente em mitologias, ela está presente nas tradições chinesa, indiana, persa, egípcia e grega, entre outras. Ninguém sabe afirmar onde ela surgiu primeiro, por muito tempo se acreditou que ela vinha do "benu", pássaro que habitava o antigo Egito. Mais recentemente passou-se a crer que a alegoria nasceu no Oriente, mais particularmente na Índia.
Fênix se torna brasa, depois cinza, depois adubo, que fertilizará o solo para o novo nascimento
Seu mito fala de um pássaro nascido no coração do Deus-Sol que, quando sente a morte se aproximar, constrói ele mesmo uma pira de ramos de plantas sagradas e aromáticas, em cujas chamas morre queimado. De suas cinzas, mais tarde, brota uma nova Fênix, que junta os restos da sua antecessora dentro de um ovo de mirra e voa com ele à cidade do Sol, onde o coloca em um altar.
Trata-se de uma história de renascimento e perpetuação que sempre teve o poder de fascinar por falar de alguns elementos essenciais ao ser humano. Mas por outro lado, diferentemente da façanha pedida a Hércules, de limpar um estábulo, a capacidade da Fênix de renascer das próprias cinzas parece sobre-humana e inalcançável por um mortal comum. Talvez por que levemos o mito ao pé da letra e percamos de vista possíveis significados apontados por ele.
A engenharia e a força desse mito começam pela Fênix morrer de autocombustão. Seus recados mais essenciais já estão presentes aí. Como uma Fênix, é preciso sabermos o momento de morrer para aquilo que vínhamos fazendo e sendo e com isso saber quebrar o ciclo de hábitos repetitivos, já destituídos de importância ou de possibilidades de crescimento, para mais adiante recuperar o contato com a essência milagrosa da vida.
Mas morrer é uma palavra forte. Fica menos dramático se lembramos que a Fênix na China é comparada ao sol, que aparentemente morre todo final de dia para renascer pela manhã. Sim, na verdade ele não morre, apenas se esconde no horizonte ao fim da tarde, para reaparecer no lado oposto pela manhã. Ou podemos olhar para uma árvore que aparentemente morre no inverno porque sua seiva se retira toda para as raízes, de maneira a economizar forças no inverno e ter energia necessária para na próxima primavera, surgir com disposição e criar novos caminhos no tronco em direção ao Sol.
Sim, o aparente renascimento dramático das cinzas pode ser apenas um retomar de um vigor guardado nas profundezas de si. Dessa forma, a missão de nossa Fênix pode ser a de mergulhar em nossas próprias raízes e contatar a verdade interior esquecida pela excitação do verão, para que ela volte com força à superfície, recuperando para nossos dias, o sentido evolutivo guardado a sete wp_posts e esquecido em algum lugar do passado.
A Fênix se torna brasa, depois cinza, depois adubo, que fertilizará o solo para o novo nascimento. Uma grande Fênix – que não podia mais crescer – se vai, uma pequena surge, com todas as possibilidades de crescimento em si.