Meu filho é caminhoneiro

Por Danilo Baltieri

Depoimento de uma leitora:

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“Boa tarde! Tenho um filho de 24 anos, ele é caminhoneiro e estou desconfiada de que ele está usando algum tipo de droga. Tentei conversar com ele várias vezes, mas ele nega. Preciso de orientação, não sei como agir. Muitas vezes ele fica agitado, outras vezes sonolento e não quer sair, só pensa em dormir. Teve episódios de taquicardia e depressão. Se puder me orientar agradeço de coração.”

Resposta: Infelizmente, por mais desorganizada que a vida de um usuário regular de substâncias psicoativas esteja se tornando, seja em contextos sociais, familiares, laborais, físicos e afetivo-relacionais, a negação do uso delas é uma atitude, um comportamento e uma estruturação do pensamento bastante frequente e, ao mesmo tempo, altamente danosa.

A negação em geral é amplamente variada, ou seja, o usuário pode negar desde o uso das substâncias propriamente dito até as evidências dos prejuízos associados com esse consumo. Portanto, apenas negar o uso de uma droga não é o único aspecto desse construto chamado “negação”, o qual costumamos vislumbrar na prática clínica diuturnamente.

Os usuários podem negar vários aspectos relacionados às substâncias psicoativas, tais como:

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a) o consumo propriamente dito;
b) a necessidade de cessar/interromper o uso;
c) a necessidade de tratamento;
d) a responsabilidade pelo uso;
e) os efeitos deletérios das substâncias;
f) os prejuízos relacionados ao comportamento de uso;
g) a perda do controle sobre o consumo;
h) a própria fissura pelas drogas;
i) os sintomas psicológicos e físicos resultantes desse consumo;
j) a responsabilidade por seguir o tratamento.

Assim, frases formuladas pelos usuários regulares de drogas e muito amiúde ouvidas pelos parentes bem como pelos profissionais da saúde costumam ser semelhantes às seguintes:

“Eu estou igual; nada mudou. Tudo é coisa da sua cabeça”
“Você está imaginando coisas”
“Eu não tenho problema algum”
“Toda esta confusão é excessiva. Não faz sentido algum”
“Eu só uso em festas. Se eu não quiser usar, eu não uso”
“Eu paro de usar, quando eu quiser”
“As drogas não estão me afetando. Tudo continua seguindo da mesma maneira”
“Estas substâncias deixam-me bem, relaxado, feliz. Não vejo como elas podem me prejudicar”
“Amigos fazem a mesma coisa e estão muito bem. Por que ocorreria o contrário comigo?”
“Em breve, esta droga será legalizada e liberada. Ela faz bem”
“Eu só uso nos finais de semana”

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Como respostas a estas afirmativas que claramente demonstram alguma forma de negação do uso e/ou dos problemas relacionados ao consumo de substâncias psicoativas, alguns pais/familiares costumam citar problemas frequentemente causados por tal uso e comentados recorrentemente por diferentes meios de comunicação, com o fim de promover a abstinência do usuário, tais como:

a) as drogas causam vários acidentes;
b) usar drogas expõe você à violência;
c) o consumo de drogas prejudica o seu desempenho escolar e laboral;
d) o uso de substâncias aumenta comportamentos de risco;
e) o uso de drogas prejudicará seus relacionamentos pessoais, amorosos, familiares;
f) o uso de drogas leva ao suicídio.

Ainda mais infelizmente, alguns familiares percebem sinais claros ou mesmo sugestivos de que o seu ente querido está fazendo uso de substâncias, mas também negam tais fatos ou possibilidades. Se a negação do usuário é altamente prejudicial, visto que retarda a busca por um tratamento eficaz e mesmo prejudica o manejo clínico adequado, o processo de negação de ambas as partes do usuário e dos familiares é simplesmente devastador.

Vale a pena citar abaixo alguns sinais que devem servir de alerta àqueles que convivem com os usuários regulares. Naturalmente, nenhum destes sinais é associado unicamente ao consumo de substâncias psicoativas; todavia, tais sinais (cito apenas alguns) devem chamar a atenção daqueles que convivem com o usuário:

a) o usuário passa a tomar decisões pouco perspicazes, quando comparadas às de outrora;
b) os usuários passam a mentir mais amiúde;
c) os comportamentos tornam-se diferentes, tais como, esquiva, agressividade, irritabilidade;
d) maior indiferença quanto aos compromissos já assumidos ou a serem adotados;
e) aumento dos gastos financeiros, sem justificativa clara e respaldada;
f) comportamento de furto domiciliar;
g) usuários tendem a se tornar mais isolados dos familiares e, muitas vezes, de amigos;
h) usuários tendem a mostrar desempenho social, escolar, laboral inaceitável;
i) desleixo quanto à aparência física;
j) medo de serem descobertos; daí, alguns comportamentos secretos ou escondidos;
k) usuários passam a quebrar ou burlar regras;
l) sinais físicos: rinites após os finais de semana, olhos inflamados de curta duração, riso fácil, agitação por períodos curtos.

Com o consumo progressivo das substâncias, e sempre considerando o tipo da droga, a frequência do uso e a suscetibilidade individual, diferentes sintomas psicológicos e psiquiátricos tendem a surgir, como, por exemplo, sintomas de depressão e ansiedade.

Eu recomendo que qualquer “pacto de silêncio” entre ambas as partes, seja por qual motivo for, jamais seja incentivado. Aqueles que percebem o comportamento ou atitude diferentes devem chamar a atenção de si mesmos e do outro e procurar os agentes causadores.

Mesmo nas situações de negação total, os familiares devem procurar ajuda de profissional médico ou psicólogo altamente especializado. Seguramente, à luz das características individuais de cada caso, tais profissionais deverão lançar mão de diferentes estratégias para iniciar uma abordagem ou manejo clínico.
Muitas vezes, o usuário regular que nega quaisquer problemas com o uso de drogas pode ser convencido a procurar um médico por razões não aparentemente relacionadas ao consumo de substâncias psicoativas.

Nesta pergunta atual, por exemplo, a mãe percebe que o filho está aparentemente “enfraquecido,” não desejando sair da cama, aparentemente deprimido. É totalmente natural que os pais recomendem fortemente que o filho seja avaliado por médico, a fim de realizar exames de rotina e investigar seu estado de saúde.

Nesta situação, por exemplo, o médico deverá questionar e investigar sobre o uso de substâncias e o quanto este uso (se ele estiver ocorrendo de fato) está prejudicando o funcionamento físico e mental.

Ao mesmo tempo, os familiares devem estar inseridos em um manejo clínico especializado para angariar habilidades no manejo da situação, evitando piores repercussões.

Não perca tempo!

Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.