Meu filho tem transtorno bipolar e fuma muito

por Danilo Baltieri

“Pacientes portadores de doenças mentais costumam ter o dobro de chance de fumar do que pessoas que não padecem delas. Também, aqueles pacientes com doenças mais específicas, como esquizofrenia e transtorno afetivo bipolar, costumam fumar ainda mais do que pacientes com outras doenças mentais”

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Resposta: Doenças como transtorno afetivo bipolar, esquizofrenia e transtorno esquizoafetivo frequentemente cursam com relevante presença de problemas relacionados com o consumo de substâncias psicoativas, como a nicotina.

Pacientes portadores de doenças mentais costumam ter o dobro de chance de fumar do que pessoas que não padecem delas. Também, aqueles pacientes com doenças mais específicas, como esquizofrenia e transtorno afetivo bipolar, costumam fumar ainda mais do que pacientes com outras doenças mentais. Além disso, esses pacientes geralmente têm maior dificuldade para abandonar o consumo de nicotina do que a população geral. Seguramente, a associação ‘doença mental’ e ‘consumo de nicotina’ costuma provocar grande preocupação em termos de pior curso da doença, complicações físicas e psíquicas, maior taxa de morbidade e mortalidade.

A prevalência do transtorno afetivo bipolar na população geral é entre 1,3 a 1,7%. Cerca de 66% desses pacientes fumam. Parece que a prevalência de consumo de nicotina é maior entre portadores de transtorno bipolar do que entre portadores de depressão unipolar.

Existem várias teorias que tentam explicar essa maior prevalência do consumo nicotínico nessa população. A nicotina pode ser efetiva na melhora do funcionamento cognitivo, no alívio da sensação de falta de prazer (anedonia) e no alívio dos sintomas colaterais de algumas medicações, como os neurolépticos.

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No entanto, estudos têm mostrado que portadores de transtorno bipolar que fumam apresentam maior impulsividade, mais ideação suicida, pior curso da doença primária, e maior prevalência de outros transtornos relacionados ao uso de substâncias. Além disso, o consumo de nicotina está intimamente relacionado com deletérios efeitos no sistema cardiovascular. Quanto mais intenso o consumo de nicotina, maiores serão os riscos.

Assim, a nicotina tem tanto efeitos ditos ‘recompensadores’ quanto efeitos ‘negativos’ entre portadores de transtorno bipolar e outras doenças mentais. Aqui, o termo ‘recompensadores’ refere-se à sensação subjetiva que o usuário tem quando faz uso da droga, de tal forma que o abandono da mesma se torna muito difícil.

Efeitos ‘recompensadores’

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Melhora o desempenho motor   

Melhora funções cognitivas (memória e atenção)   

Sensação de ficar mais “ativo”   

Diminui efeitos colaterais de algumas medicações, como os antipsicóticos

Efeitos negativos

Aumenta a chance de abandono precoce do tratamento médico e psicossocial

Maior frequência de outras doenças médicas, como carcinomas, isquemias

Mais frequência de consumo de outras substâncias

Maior chance de sintomas psicóticos

Maior chance de sintomas psicóticos As taxas de abandono do consumo de nicotina são menores entre portadores de transtorno bipolar do que na população geral. Estudos têm apontado taxas de abandono do consumo de nicotina de 17% para portadores de transtorno bipolar comparado a 38% entre portadores de depressão e 43% entre adultos sem quaisquer doenças mentais.

Similarmente aos tratamentos para cessar o consumo de nicotina na população geral, a melhor opção para portadores de doenças mentais é a associação entre o tratamento farmacológico e a terapia comportamental. Entre as abordagens farmacológicas, estão a terapia de reposição de nicotina (gomas, adesivos) e as medicações vareniclina e bupropiona.

Entre portadores de doenças mentais, devemos estar alerta para algumas especificidades em relação ao tratamento farmacológico.

Estudos indicam que o uso da terapia de reposição de nicotina é mais eficaz naqueles pacientes que fazem uso de *antipsicóticos atípicos quando comparado àqueles que fazem uso de **antipsicóticos típicos, provavelmente devido aos menores efeitos colaterais (relacionados à atividade ***dopaminérgica) dos primeiros frente aos últimos. Também, os clínicos devem estar atentos às doenças cardiovasculares concomitantes as quais podem proscrever (condenar) a utilização desse método terapêutico.

Quanto à vareniclina, os dados de eficácia e segurança entre portadores de transtorno bipolar são ainda escassos. Deve-se estar atento ao fato de que essa medicação tem sido associada com indução de sintomatologia depressiva, transtorno do sono e piora de sintomas psicóticos e ****maniformes. Entre portadores de esquizofrenia, alguns estudos publicados não têm vislumbrado notáveis repercussões negativas com o uso dessa medicação.

Em relação à bupropiona, que é um antidepressivo, alguns estudos têm mostrado eficácia entre portadores de transtorno bipolar. Autores enfatizam a necessidade de estreito seguimento destes indivíduos, já que pode existir o risco de descompensação das fases de depressão e mania.

Todos nós também devemos considerar que os pacientes portadores de transtorno bipolar fazem uso de medicações que podem ter significativas interações farmacológicas com a nicotina. Logo, ajustes nas doses das medicações podem ser necessárias diante do paciente fumante, como uma tentativa de manter a estabilidade clínica do mesmo.

Apesar de todas as dificuldades inerentes ao tratamento do paciente portador de transtorno bipolar que fuma, é importante que o clínico não deixe de prestar atenção especial a esta comorbidade, tendo em vista as notáveis repercussões negativas do fumo. Uma abordagem empática, estreita, adequadamente embasada cientificamente pode contribuir mais eficazmente para a resolução do problema.

Abaixo, forneço interessante referência sobre o tema:

Lopez-Ortiz C, Roncero C, Miquel L, Casas M. [Smoking in affective psychosis: review about nicotine use in bipolar and schizoaffective disorders]. Adicciones.2011; 23(1):65-75.

* ANTIPSICÓTICO ATÍPICO – SÃO AQUELES DE UMA GERAÇÃO MAIS RECENTE, COM MENOS EFEITOS COLATERAIS, ESPECIALMENTE AQUELES LIGADOS À AÇÃO EM RECEPTORES DE DOPAMINA E DE ACETILCOLINA.

** ANTIPSICÓTICO TÍPICO – SÃO MEDICAÇÕES UTILIZADAS PARA TRATAR SINTOMAS PSICÓTICOS. OS TÍPICOS SÃO AQUELES DE UMA GERAÇÃO DE REMÉDICOS MAIS ANTIGA.

*** DOPAMINÉRGICA – ATIVIDADE DOS RECEPTORES CEREBRAIS D E DOPAMINA.

**** MANIFORMES – SINTOMAS DE AGITAÇÃO PSICOMOTORA, ACELERAÇÃO DO PENSAMENTO, HUMOR EXALTADO.