por Andréa Nolff – psicóloga do NPPI
A adolescência, seja a atual, ou a de tempos passados, sempre se caracterizou como um período conflituoso, confuso, prazeroso e educativo. A fase da formação do indivíduo como ser pensante, cheio de ideias revoltas, muita onipotência e egoísmo.
Período de crise, onde os novos limites ainda são desconhecidos e o que vale é descobri-los, deixando para trás as escolhas que os pais faziam por nós, trazendo à tona nossas próprias escolhas, aprendendo a lidar com suas consequências. O que falar então da adolescência brasileira atual?
Filhos da geração Coca-Cola, dos caras-pintadas, revolucionários da paz que derrubaram o presidente. Os adolescentes atuais vêm com a história de serem filhos de adultos que, em suas próprias adolescências derrubaram padrões, refizeram as leis, a política e a maneira de pensar.
Netos de uma geração romântica, onde os valores e papéis predeterminados na família, sexualidade, religião, não mais conseguiam se sustentar. São filhos da geração que tornou claras essas mudanças; são filhos de filhos que completaram o sonho de seus pais e tornaram, com sua força adolescente, o país mais livre, democrático, menos competitivo e mais cooperativo. Tornaram a família mais móvel, onde os conceitos de liberdade individual, facilidade de rotina, união de interesses comuns, substituíram os ideais românticos de seus avós do "Felizes para sempre" ou do "Até que a morte os separe" para o " Que seja eterno enquanto dure".
A adolescência brasileira atual reina num país democrata, apesar de ainda muito injusto e violento, numa multifamília, com seus multivalores. Aprendem desde cedo, que o verde pode ser verde para seu pai biológico, mas pode ser azul para o pai que vive em uma de suas casas. Que a bananada de sua mãe de barriga, às vezes é doce, mas às vezes pode ser salgada e que para a nova namoradinha do pai, bananada, só se for light.
E isso afinal, é bom ou é ruim? Diria nem só bom, nem só ruim, só é o que é. E aí, talvez resida mais um dos paradigmas que temos visto cair na atualidade.
O que é certo? E o que é errado?
Antes tínhamos essa resposta bem definida: pelo Estado, pela Igreja e pela família. Tivemos gerações achatadas e infelizes, na tentativa de reproduzir o que era certo, mesmo que esse certo tivesse sido determinado por outro ou, que em consequência, muitas vezes o indivíduo sucumbisse.
OK. E atualmente, então, o que temos? Temos o tudo: o tudo pode, o tudo tem seus dois lados. Temos a relativização dos fatos e de suas consequências. E isso é bom, se o indivíduo se conhece, e conhece os seus valores. Mas isso é ruim, se o individuo, não se conhece e consequentemente não sabe o que é bom ou ruim para ele mesmo.
Essa geração que educa os adolescentes atuais parecem já ter percebido, que o mundo deles é inclusivo, internético e tecnológico, sem leis ou regras muito claras, onde tudo pode e onde nada é só certo ou só errado, onde tudo tem vários lados e onde cada lado, trás em si, suas próprias consequências.
Lado fake
Um dos melhores exemplos desse estado de coisas parece estar retratado no uso e na paixão que alguns pré-adolescentes e adolescente têm pelo fake, o dito perfil falso, feito em blogs, fotoblogs ou sites de relacionamento.
O fake toma conta das redes sociais. Existe fake para todo tipo de uso, desde o mais saudável até o mais prejudicial: alguns brincam, outros, estão a serviço de fins ilegais, como a pedofilia ou o racismo. Alguns usam o anonimato para discutir política ou pregar trotes que podem magoar, ofender e envergonhar pessoas.
Brincando o tempo todo com a imaginação, o adolescente tem uma vida social virtual intensa acontecendo 24 horas por dia. Nessa vida, possuem outra família e um monte de melhores amigos, dos quais não precisam saber nem a idade ou o sexo.
Parece brincadeira de criança: Junta em sua essência, as agendas das meninas das décadas de 80 (onde se grudava de tudo, desde papel de bala, até código pra esconder o que a mãe não podia ler) com as brincadeiras dos meninos, seus comentários "maldosos", a "contação" de vantagem, que só podiam existir entre os meninos e suas competições masculinas, onde a inclusão dos sonhos e desejos se misturava, ficando sempre tão próxima à realidade.
E, qual o principal aprendizado que tirávamos disso tudo? A experimentação.
É no experimentar – papéis, sabores, sentimentos e sensações, o estar e se mostrar – que parece residir a principal atração dos perfis fakes. A questão, então, está no uso que se faz dessa experimentação.
Se antigamente, fingíamos ser dos Menudos (banda pop porto-riquenha dos anos 80), brincávamos de policia e ladrão, imaginávamos princesas sendo salvas por seus príncipes; hoje, temos o frio na barriga da possibilidade de ser reconhecido, acabando por transformar as brincadeiras de "o gato mia", em algo que pode ser experimentado, a qualquer hora, e sem a necessidade de estarem todos no escuro, dentro do mesmo quarto.
Antes se sabia com quem brincávamos, a que hora devíamos parar e estávamos quase sempre entre amigos verdadeiros e de convívio familiar. Nessa nova forma de brincar, isso não acontece, pois ela traz consigo a impossibilidade de reconhecimento – uma das leis no mundo dos fakes: não se sabe se o menino é menino ou se é menina, e quase nunca é possível descobrir-se a identidade do dono do fake.
O anonimato e a possibilidade de burlar facilitam as más intenções, que também existem no mundo face a face, vale lembrar. Os mal-intencionados acabam por deletar suas contas nas redes sociais com frequência, abrindo outras em seguida, com outro fake.
É um mundo tecnológico, que parece querer nos ensinar a imaginar, a viver num mundo onde primeiro visualizamos, criamos e sentimos o que desejamos, para depois transportarmos essas fantasias para nossa vida presencial.