por Danilo Baltieri
Depoimento de uma leitora:
“Minha filha desde muito nova faz terapia por ter uma autoestima muito baixa. Aos 12 anos, começou a se cortar e a ter variações ao humor. A psicóloga a encaminhou para um psiquiatra que a diagnosticou como bipolar. Agora está com 16 anos e descobri que usa maconha desde os 14; e diz pra mim que não vai parar porque é bom pra ela. Não sei mais o que faço pra impedi-la. Como devo lidar com tudo isso?”
Resposta: Primeiramente, para responder a esta pergunta, tenho que supor que o diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) está adequado para o caso. Sendo isso verdadeiro, inicio minhas ponderações.
Segundo pesquisa epidemiológica de grande escala realizada nos Estados Unidos da América, cerca de 40% dos portadores de Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) tem história de abuso ou dependência ao longo da vida de alguma substância psicoativa que não o álcool. Quanto ao álcool, a comorbidade (coexistência) chega aos 46%. Com pacientes jovens portadores de TAB, as taxas de abuso de substâncias psicoativas chegam a exceder às taxas de abuso de álcool.
Similarmente à população geral, a cannabis é a substância ilícita mais frequentemente abusada pelos portadores de TAB.
Algumas pesquisas têm reportado que usuários de cannabis portadores do TAB podem apresentar:
a) menor adesão ao tratamento médico para o TAB;
b) maior duração ou mesmo gravidade dos episódios de mania e de depressão;
c) pior prognóstico para a doença primária (TAB);
d) abuso concorrente intenso de tabaco;
e) maior risco de suicídio.
Os usuários costumam declarar que a cannabis alivia a ansiedade e ajuda a estabilizar o humor primariamente alterado. Estas declarações têm sido também consideradas em pesquisas clínicas; porém, com resultados pouco animadores.
Portadores de TAB devem ser investigados clinicamente quanto ao consumo de substâncias psicoativas como a cannabis. Sabendo dos efeitos negativos que a droga pode exercer sobre o curso da doença, o profissional da saúde deverá envidar esforços no sentido de promover a abstinência. É ainda bastante especulativo o papel causal da cannabis sobre o surgimento do TAB. Todavia, alguns estudos apontam que jovens usuários de cannabis costumam mostrar inicio mais precoce do TAB, ou seja, o uso de cannabis poderia reduzir o início do TAB em até 9 anos. Outrossim, não há muitas dúvidas de que os não usuários de cannabis tendem a mostrar melhor prognóstico do TAB do que os usuários da droga.
O TAB entre jovens por si já traz algumas preocupações notáveis, tais como:
a) risco de sintomas psicóticos (alucinações e delírios);
b) alto risco de suicídio;
c) problemas com a aprendizagem;
d) frequente abuso de substâncias psicoativas, como a cannabis.
É oportuno também aqui referir que pesquisas em neuroimagem cerebral de portadores de TAB que abusam de cannabis demonstram alterações cerebrais, principalmente em regiões frontal, temporal e em núcleo caudado, provocando presumivelmente prejuízos na motivação e na regulação emocional.
Diante de várias evidências como as acima, o que fazer?
O profissional da saúde e a equipe interdisciplinar que manejam o caso devem estar amplamente cientes dos hábitos e comportamentos do portador do TAB, a fim de tomar as providências clínicas cabíveis.
Naturalmente, se houver um quadro de abuso ou de síndrome de dependência de cannabis, os profissionais deverão tratar ambos os quadros, ou seja, o TAB e o abuso/dependência. Às vezes, será necessária a inclusão de um psiquiatra especializado em dependências químicas para compor a equipe de tratamento. Esse é o melhor caminho.
O tipo e a forma do tratamento dependerão de vários fatores, já que esta população é extremamente heterogênea. Manejo comportamental especifico e especializado em conjunto com o tratamento farmacológico específico para cada condição e orientação familiar serão ingredientes fundamentais neste processo.
Boa sorte!
Abaixo, forneço referência científica sobre o tema discorrido:
Leite, R.T.P. et al. (2015). The Use of Cannabis as a Predictor of Early Onset of Bipolar Disorder and Suicide Attempts. Neural Plasticity, 2015; 2015:434127. doi: 10.1155/2015/434127
Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.