Por Maria do Céu Formiga
Eu ainda era meninota – porque, naquela época, a adolescência não invadia a infância com a voracidade com que invade hoje – quando minha irmã chegou…chorona e cheia de castanhos…Eram cachinhos que não acabavam mais!
Nasceu com o olhar doce de uma ovelha inocentemente ferida. Com um discreto dano no cérebro, que afetou sua motricidade. Chegou linda, sensível e especial.
Como um hai-kai, que rouba a cena em poucas sílabas, chegou nos descampados dias inseguros, insinuando a importância do exercício da esperança (sempre e sem parar).
No Dia Internacional da Mulher me pediram um texto. Não tive dúvida de quem seria o alvo da homenagem: a menina dos cachinhos que cresceu e virou a alegria presente no mais sutil semblante que se apresentava em pequenos maços de flores azul-celeste de miolinho amarelo que, na simbologia mítica desta flor, significa fidelidade e afeto verdadeiro.
Planta que precisa ser cultivada ao sol ou à meia-sombra, que gosta de temperatura branda e é passível de ser encontrada em lugares de grande altitude, como nos Andes ou no “céu”!
Miosótis, ou ”forget-me-not”, como também é chamada, é flor suave e rara. Minha irmã é sua vertente humana. Nossa história toca tanto que, por vezes, a ouvimos até no silêncio.
Todas as minhas idades dão conta do nosso esforço de viver sem a exatidão dos caminhos. Ao lado da sua delicadeza, o sonho escapa do seu lugar e se incorpora aos meus dias, vira realidade.
Ela veio no meio dos chás de melissa e de olhos para uma vida que, certamente, não contava com o toque das suas mãos. E eu, bem cedo, achei por bem investir em seus segredos, seus talentos e os expor de modo ajardinado e sincero. Com gestos que mostrassem o seu mundo tocado pela multiforme graça de Deus. Mundo capaz de aceitar os que andam com dificuldade, os que têm vertigens nas alturas, mundo dos visionários e dos poetas.
Sem pressa para desvendar segredos
Sem pressa alguma, crescemos desvendando os segredos do sonho coletivo e emigrando sempre para além da história, para aquela parte do infinito que sorria a nosso favor, nos presenteava com as primeiras estrelas da noite e nos recebia com pão, afeto e vinho sobre a mesa.
Hoje somos conhecidas pela opção que escancaramos. Preferimos aquarelar a vida a nos esconder atrás de argumentos. Somos conhecidas pelos presentes que fazemos e pelos pacotes que apresentamos. Gostamos muito de reparar a distração dos descampados dias inseguros, que produzem rescaldos da infância. E, enquanto eu corto laçarotes, ela, com o toque suave das mãos (com que o mundo não contava), gesto que tece esperança e sacode o sono dos enfadados, abençoa o destinatário salmodiando em oração: “felizes os puros de coração, porque verão a Deus”.
Pequena grande miosótis, como sou feliz por poder ser, em alguns momentos, sua intérprete! Que orgulho em águas cristalinas você me permite! Por isso, deixo a chave do meu jardim secreto guardada embaixo do seu travesseiro. Juntas, fazemos renascer o que a instabilidade dos sonhos não permitiu acordar… Que bom você me fazer ansiar pelo que está além de mim. Nem que eu tenha de andar por pedregulhos, como me aquece essa provocação!
Esforço-me para ser pelo menos parecida com você, mas me sinto tão abaixo dos Andes, tão distante de sua terra descansada pronta para receber sementes!
Mas, aí, quando você vem abrir o portão, combinando tênis com meia, feliz da vida como se estivesse vendo a neve cair pela primeira vez, com os braços empinados para me acolher, salta um sol no meu peito, me reconstruo diante dessa generosidade, e redescubro, no meio do quintal, o aroma dos chás de melissa…entre nossa saudade, nossa eterna meninice…
Parabéns pelo Dia da Mulher, forget-me-not, pequena grande miosótis.