Moxie: seus diversos significados para a humanidade 

Moxie é a sigla para “Experimento de Utilização de Recursos de Oxigênio in situ em Marte”. Esse aparelho, chamado Moxie, é capaz de produzir oxigênio em Marte. A humanização de Marte já começou…   

Desde fevereiro de 2021, um aparelho acoplado ao rover Perseverance, da NASA, está produzindo oxigênio em Marte. Seu nome é Moxie, sigla para “Experimento de Utilização de Recursos de Oxigênio in situ em Marte”. Ele tem produzido uma quantidade de oxigênio equivalente ao que uma pequena árvore terráquea é capaz de produzir. Como se trata de um experimento, Moxie é ligado e desligado em diferentes condições marcianas e, por isso, não trabalha de maneira ininterrupta.

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Mesmo assim, trata-se de um feito importante. Afinal, dada a impossibilidade de transportar quantidades enormes de oxigênio para astronautas e colonos, será necessário produzir no local os recursos para a sobrevivência humana. Os foguetes, responsáveis pela propulsão das naves, também requerem oxigênio – na ida e na volta.

Moxie: a humanização de Marte já começou…

Na verdade, a humanização de Marte já começou. Tudo indica que estamos dando um passo fundamental para o futuro da humanidade. Não se trata mais de nossas habilidades para nos adaptarmos a condições de difícil sobrevivência. Se trata de humanizar um ambiente, moldando-o às nossas próprias necessidades. Há aqui uma diferença que não pode passar despercebida na maneira como nos relacionamos com o que está lá fora.

Quando construímos uma hidrelétrica, estamos utilizando recursos naturais existentes para gerar energia elétrica e movimentar a sociedade humana. Nesse caso, operamos uma intervenção no mundo, de maneira a conduzir as forças naturais para determinadas finalidades. Chamamos de tecnologia essa ação de inocular finalidades no curso natural de maneira a nos beneficiar. Através dela, nós alteramos determinado comportamento da natureza em nosso próprio benefício.

Claro que o uso intenso desse artifício termina por alterar o curso do mundo natural, mas isso só ocorre depois de várias intervenções em cadeia. O significativo nesse caso é que a tecnologia arranha a superfície da natureza, altera-a e conduz seu curso em direção a um benefício da espécie humana. Moxie não é uma tecnologia.

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O que Moxie representa?

Moxie é o início da criação de uma natureza. Nenhum dos ambientes da Terra é inviável para a vida humana. Alguns são extremamente inóspitos, mas nada que se compare a Marte – onde a vida humana é simplesmente impossível nas atuais circunstâncias. Em função da distância biológica que há entre a vida humana e as condições marcianas, ali não se trata de ajustar o curso da natureza às nossas necessidades por meio da tecnologia. Ali se trata de forjar uma natureza para nós.

 Afinal, para começarmos a viver em Marte, será necessário criarmos uma natureza. Isto é, será necessário forjar um mundo para nós e reduzir aquela enorme distância biológica que torna nossa vida impossível atualmente. Por isso, Moxie não é uma tecnologia. Ele é um gesto de criação, uma ação demiúrgica sobre algo absolutamente refratário à humanidade.

Para aqueles que são pessimistas com relação ao atual domínio que exercemos sobre a natureza terráquea, agora será necessário redobrar a atenção. Para os otimistas, só restam as comparações com as ações divinas de criação de novos mundos. Afinal, estamos diante da primeira ação humana cujo objetivo é criar um mundo para nós. Não se trata de meramente melhorar a vida humana pela instrumentalização de uma natureza em que, bem ou mal, já vivemos. Se trata de criar um mundo para os seres humanos a partir de uma matéria totalmente refratária a qualquer forma de vida conhecida. Moxie é o primeiro desembarque em outros mundos ainda não inventados, em um mundo impossível. Moxie é o início da invenção de um mundos.

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Um alento para os pessimistas, é cogitar que podemos começar novamente, talvez sem cometer os mesmos erros daqui. Pode ser que tenhamos aprendido algo na Terra e possamos ser melhores em Marte. Talvez os marcianos sejam o futuro da humanidade. E se não aprendemos nada aqui, talvez possamos aprender algo em Marte. Talvez sejamos melhores quando, em um futuro remoto, sairmos de lá para criar mais mundos pelo espaço infinito das galáxias sobre nossas cabeças. Seja como for, Moxie é uma oportunidade para exportarmos o que temos de melhor.

Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie