por Ivelise Fortim de Campos – psicóloga do NPPI
Você acaba de entrar num templo de paredes altas, decorado com estátuas de Odin, e outros grandes Deuses. Olha em volta e tudo é estranho: pessoas vestidas com armaduras, cercadas por auras de fogo. Uma bolha gosmenta passa ao seu lado… E é atacada por um mago que joga bolas de fogo nela! Melhor seguir para o norte… ou para o sul? Você se dá conta de que tem apenas uma pequena espada, para se defender de monstros cruéis… É preciso arrumar uma arma melhor. Um peregrino, vendo sua dificuldade, lhe oferece um chicote com cinco cabeças de cobra! Você aceita, e resolve sair do templo, para enfrentar as aventuras e perigos desse mundo…
O pequeno texto descreve, em poucas palavras, as primeiras impressões do jogador ao entrar em um MUD. A palavra MUD, de origem inglesa, é a abreviação de "Multi-user dungeons and dragons", e se refere a um ambiente virtual – um jogo de aventura, onde o usuário explora mundos em busca de monstros e tesouros. Foi criado em 1979, por estudantes da Universidade de Essex, Inglaterra. Desde então, o jogo tem se popularizado e, apesar de antigo, ainda atrai inúmeros jovens. Os MUDs são mundos virtuais baseados em textos, nos quais os usuários podem criar personagens num espaço interativo e compartilhado. O acesso a esses "mundos virtuais" não é feito pela Web, e sim pela porta de Telnet do microcomputador (acessíveis pelo comando EXECUTAR).
O MUD original é baseado no mundo mágico do Dungeons and Dragons (AD&D), um jogo de temática medieval e mágica, com magos, guerreiros, elfos, anões e duendes. As aventuras incluíam lutas com dragões e expedições a castelos, às vezes em busca de tesouro, ou em busca de equipamentos para melhorar o equipamento do personagem.
Toda a interface de um MUD é textual, ou seja, não existem figuras, nem gráficos, sons ou qualquer coisa semelhante na interação com o usuário. O usuário pode mover-se entre os diferentes espaços do ambiente virtual, utilizando comandos como N, S, E, W (Norte, Sul, Leste, Oeste). Os lugares são descrições textuais, que evocam tanto sentimentos, como estímulos sensoriais, procurando estimular a imaginação do visitante. As descrições dos lugares contêm os objetos e as pessoas presentes neles. Essa percepção permite ao usuário interagir com os objetos existentes e com outros usuários.
Para entrar nesse tipo de mundo, é necessário que você crie um personagem, que deve ser homem ou mulher, e deve pertencer a uma das seis classes: Mago, Guerreiro, Druida, Bardo, Clérigo ou Ladrão. O objetivo do jogador é tornar-se imortal, e para isso é preciso jogar até o nível 100 com cada classe de personagem. Esses níveis são conseguidos mediante lutas com "monstros virtuais" que o programa fornece. Cada monstro morto é um ganho de experiência, e é isso que permite as mudanças dos níveis. A cada mudança, são adquiridas novas habilidades para o personagem, que passa a ser mais poderoso, e pode matar monstros maiores.
Um mundo desconhecido esse, não? Mas, apesar destes mundos não serem muito divulgados pela mídia, não quer dizer que não tenham importância. Existem dezenas de MUDs brasileiros, com um número grande de usuários. A maior comunidade de MUD brasileira que já existiu ("O mundo de Vitália") chegou a ter dois mil usuários cadastrados, e muitas vezes podia chegar a ter 80 usuários on line simultaneamente.
Os usuários desses jogos aqui no Brasil são em geral homens, com idade entre 17 e 20 anos; a presença das mulheres é pequena. Em geral os jogadores são estudantes, em especial do final do ensino médio ou dos primeiros anos da graduação, pertencem à classe média ou a estratos superiores. A maior concentração de jogadores ocorre na região sudeste, acredita-se que pela facilidade de acesso à Internet.
Ou seja, apesar de toda a expansão dos jogos 3D, ocorrida mais recentemente, ainda existem muitos jogos escritos! Isso nos faz pensar que muitos jovens ainda têm o gosto pela leitura, pelo texto, mesmo que se trate de um jogo, um programa virtual onde essa é a única maneira de interagir com os outros. Isso nos faz pensar também na quantidade de comunidades virtuais formadas na Internet, que existem mas não são conhecidas pelo grande público. Neste mesmo momento em que você lê esse texto, todo um universo paralelo se agita, fervilhante, no cyberespaço.