por Dulce Magalhães
Nós, os seres humanos, somos o infinitamente breve e o infinitamente pequeno. Nós navegamos por uma realidade infinitamente vasta e infinitamente perene. Ou seja, nós estamos numa condição transitória e muito curta, num universo que é eterno. Como se manter erguido apoiado em pés tão frágeis?
A correria, a competitividade, os desafios, enfim, tudo que hoje representa o estresse em nossa vida, parece perder a importância quando enxergamos a realidade a partir de uma perspectiva tão ampla.
Vamos pensar na serenidade aparente do espaço sideral. Quando evocamos essas imagens, a sensação é de um ambiente em que tudo é lento, escuro, pontuado pelo brilho de estrelas, em uma eterna valsa. Porém, isso é apenas aparente.
Dentro desse universo tranquilo, vive o caos, a mudança complexa, um refazer e reformular continuamente em novos ritmos. O universo é muito mais o samba do crioulo doido do que a valsa. Uma expressão de realidade imensamente caótica e indecifrável. Assim como nós.
Dentro de nós também habita a complexidade. Nós não somos apenas nossos hábitos, relacionamentos, resultados, somos também o que ainda não somos. Em outras palavras, somos também nossas angústias que nos impulsionam, nossos desejos que nos inspiram, nossas esperanças que nos mantêm em pé, mesmo em meio à tormenta da vida.
E é essa inquietude que pode nos salvar. É a partir desse olhar esperançoso para o futuro que podemos germinar a semente de uma nova humanidade. É um sintoma de nossa complexidade que no início do século XXI estejamos vivendo 55 guerras ao redor do mundo, sendo que 52 delas têm motivações religiosas. Ainda não aprendemos.
Contudo, em meio ao absurdo da vida, podemos vislumbrar metáforas do que pode vir a ser. Quando temos pessoas que ainda creem no amanhã e carregam no ventre um filho que vai herdar a Terra. Essa é a máxima esperança, porque para nossos filhos sempre queremos o melhor. Somos capazes até de matar ou morrer por eles.
Em meio aos horrores do conflito, espantados por atitudes impensadas, amedrontados pela violência, acuados por uma realidade que se expressa também através do mal e do feio, ainda assim, há pessoas impulsionadas pela esperança. Gente que se apaixona, gera filhos, constrói casas, empreende em negócios.
O que pode ser mais esperançoso do que a própria esperança. Olhar para o futuro e acreditar que outra realidade é possível. Algo que pode ser baseado também no bom e no belo. Algo que ecoa dentro de nós, que nos faz vibrar em uma linda manhã de sol. Que nos leva às lágrimas em momentos de profunda tristeza quando nos despedimos para sempre de alguém que amamos muito. Que permite as mesmas lágrimas na celebração de um fugaz triunfo.
A esperança do absurdo é a promessa que fazemos a nós mesmos que amanhã será melhor. Que vamos fazer algo, que vamos mudar, que vamos enfim aprender. O absurdo é um bom estado, porque tudo permite, até mesmo a esperança do inimaginável e do inalcançável, tornando-o finalmente possível.
E como será o amanhã? Certamente fruto de nossos atos, de nossos desatinos, de nossos erros e das ofensas que cometemos contra a dignidade da vida, mas será também o resultado fecundo de nossa paixão mais desvairada, de nossa vontade e sonhos, de nossa esperança de que seja diferente.
Porque é pelo desejo dessa mudança improvável e, por vezes, utópica que modelamos pequenos avanços, pois de nossos desejos nasce todo dia um indivíduo que já não é mais o mesmo, e é isso que muda tudo. Vale lembrar que indivíduo é aquele que não se divide, que é inteiro, com todas suas versões e facetas, do bem e do mal, do belo e do feio.
Sendo assim, já está em nós a semente de nossa própria destruição e o projeto de nossa viabilidade. O desafio maior não é a meta desafiadora, mas a escolha do caminho que vamos trilhar para chegar à meta. Se há algo que está em nossas mãos para decidir, se há algo que nos cabe, esse algo é decidir o que fazer com o tempo que nos foi dado.
Essa decisão é que encaminha o processo, define a ação, estabelece o sentido, a direção e o ritmo. Nada é absurdo quando resiste à esperança e nada tem sentido quando esta se perde. Esperançar, não esperar. Essa é uma atitude, uma ação, um chamado. Vocação. Uma voz de dentro que nos diz que há algo a fazer de nossas vidas. Responder esse chamado é o que a gente costuma definir como VIVER.