por Danilo Baltieri
Depoimento de uma leitora:
"O meu filho está internado em uma clínica para dependentes químicos já tem 5 meses, e ele vai sair quando completar 7 meses. O melhor para ele seria mudar de cidade, das amizades que o levaram ao caminho das drogas? Ele mesmo está querendo ir para Brasília; disse que quer estudar e trabalhar, e eu acho que é o melhor mesmo. Só que eu estou na dúvida se é o melhor mesmo para ele. Eu tenho medo de sair do interior para a capital e não dar certo. Ajude-me no que devo fazer para ajudar meu filho."
Resposta: Todos os planejamentos relacionados à mudança de estilo de vida entre dependentes químicos devem ser adequadamente ponderados e, desejavelmente, supervisionados. Manter expectativas sem planejamento prévio e realista, pode aumentar o risco de decepção, frustração e, consequentemente, recaídas.
De fato, mudar o estilo de vida é uma das etapas primordiais no manejo da dependência química. Para que essa modificação possa ocorrer, o portador deve angariar habilidades, conhecimentos e motivação continuada.
Os profissionais da saúde que tratam o portador devem, então, identificar, juntamente com o paciente, os aspectos pessoais e sociais que necessitam de assistência.
De uma forma geral, abordarei alguns pontos que devem ser ajustados e reajustados:
a) Organização do tempo do portador
Os portadores precisam utilizar seu tempo de maneira produtiva. Ter muito tempo livre pode ser perigoso. Eles devem aprender a organizar o tempo, planejar atividades, estabelecer agendas, priorizando, assim, atividades de lazer, de trabalho, com familiares etc.
Durante as sessões com seus terapeutas, os portadores devem levar suas agendas e discutir sobre a forma como estão desempenhando suas atividades diárias. Ideias irreais devem ser combatidas. Se pretendo mudar de cidade para trabalhar e estudar, é necessário conhecer o mercado de trabalho para onde pretendo ir, bem como as escolas disponíveis, meios de moradia, recursos iniciais para tal empreendimento etc. Outrossim, estabelecer plano "B" no caso de falhas nos objetivos iniciais também pode ser interessante.
b) Revisão das atividades recreativas, educacionais e laborais
Usualmente, quando o quadro da síndrome de dependência se instala, o portador deixa de fazer várias das suas atividades ou mesmo nunca desenvolve algumas atividades de lazer, sociais, educacionais, vocacionais. Tudo isso precisa ser revisto e, então, as atividades devem ser priorizadas. Alguns portadores podem achar difícil encontrar atividades interessantes fora do seu meio antigo. O terapeuta pode lançar mão de vários inventários e listas de possíveis atividades de lazer e sociais que serão úteis para os portadores.
Apesar de aparentemente fácil encontrar atividades de lazer ou sociais, para muitas pessoas não é uma tarefa tão tranquila. Portanto, descobrir quais atividades são mais reconfortantes e recompensadoras é uma etapa crucial.
Listas como a abaixo podem ajudar a quantificar o prazer que alguns portadores têm com algumas atividades, ou mesmo, verificar se o portador já desempenhou tais atividades outrora:
1) Ir para o cinema;
2) Assistir à TV;
3) Ouvir rádio;
4) Ouvir músicas;
5) Organizar eventos, enquanto hobby;
6) Trabalho de caridade ou em serviços de voluntários;
7) Jogar cartas;
8) Resolver palavras-cruzadas;
9) Ler livros;
10) Ler jornais e revistas;
11) Cantar e/ou tocar instrumento musical;
12) Meditar ou fazer yoga;
13) Fazer trabalhos manuais, artesanais;
14) Fotografar e filmar;
15) Pescaria;
16) Jardinagem;
17) Treinar/cuidar de um animal de estimação;
18) Colecionar selos, estampas etc;
19) Decorar ambientes;
20) Consertar roupas, utensílios etc;
21) Fazer trabalhos em casa com outras pessoas;
22) Visitar familiares;
23) Visitar amigos e conhecidos (não usuários, claro);
24) Ter uma refeição com amigos;
25) Dar uma festa;
26) Tomar chá e café com amigos e conhecidos;
27) Hospedar amigos;
28) Visitar pessoas doentes;
29) Procurar aconselhamentos profissionais;
30) Ir para a barbearia ou salão de beleza;
31) Cozinhar;
32) Ir para concertos, óperas etc;
33) Ir para o mercado;
34) Ir para livrarias;
35) Ir para conferências;
36) Ir para reuniões religiosas;
37) Ginástica, academias;
38) Caminhar, usar bicicleta;
39) Fazer excursões;
40) Aprender uma nova língua;
41) Manter um aquário;
42) Fazer outras modalidades de esporte
c) Treinamento na resolução de problemas
O portador pode ter dificuldades até mesmo para resolver problemas aparentemente simples. O auxílio ao portador para identificar o problema, ponderar sobre ele, pensar em alternativas para resolvê-lo, aplicar a resolução escolhida e avaliar a efetividade do processo também é um passo terapêutico importante.
d) Busca por satisfação vocacional.
Alguns portadores perdem seus empregos e seus focos. É importante que, durante o processo terapêutico, os pacientes sejam auxiliados para identificar suas habilidades.
e) Treinamento de habilidades sociais
Desenvolver rede de amigos não usuários, aprender a expressar sentimentos de maneira adequada, incentivar a interação com familiares são algumas das atividades terapêuticas neste item.
De uma forma geral, a dependência química não é uma doença apenas com aspectos ambientais. Ela é uma doença com raízes neurobiológicas e psicossociais. Assim, mesmo mudando de Estado ou de País, a doença permanecerá. Sim, às vezes, mudar de bairro ou de cidade pode ser recomendado; no entanto, cada caso deve ser adequadamente supervisionado por especialista treinado objetivando o melhor desfecho.
Acredito que, como seu filho está internado, você deve conversar com os terapeutas e explanar sobre as suas dúvidas. Os terapeutas terão condições de avaliar as suas dúvidas, apreciar as alternativas disponíveis e tecer recomendações.
Atenção!
Este texto e esta coluna não substituem uma consulta ou acompanhamento de um médico e não se caracterizam como sendo um atendimento.