Por Martin Portner
Hoje em dia não é difícil encontrar uma mulher que não busque apaziguar a luta entre si e o seu outro lado. Toda mulher possui um lado assertivo fazedor, que adora conquistar coisas, criar novidades, aceitar desafios e pensar fora da caixa. Mas a outra metade se esforça para trazer à tona suas qualidades nutritivas, sabedoria e intuição. É o lado que olha para a vida e para os outros com compaixão, compreensão e ternura.
A mulher que habita o mundo globalizado, frenético, onde tudo e todos estão conectados por Apps cada vez mais velozes e exigentes da sua fração de atenção, traz consigo uma sabedoria ancestral enraizada na intuição e no coração. É uma força apaixonada, criativa e vivificante. O feminino traz a história de toda a criação; além disso, é ela a responsável pela passagem das tradições de uma geração para a próxima.
Mas essa luta vem causando estragos. A mulher ancestral, conceito criado pela psicóloga Clarissa Pinkola Estés, uma desbravadora do lado interno, selvagem, das mulheres que correm com lobos, expressão criada por ela e título de seu mais famoso livro, salienta que as portas para o mundo interior são poucas, mas preciosas. Se você tem uma cicatriz profunda, ela é uma porta; uma velha história para contar, é outra porta. E se você anseia por uma vida mais profunda, plena, sadia, capaz de conduzi-la à felicidade, você está diante da porta mais importante da vida.
Quando a mulher abandona a conexão com o interior, sua fonte de feminilidade, a sua voz pode tornar-se mais alta, mas ela perde parte de suas capacidades vitais – autoestima, a capacidade de amar e o mapa dos degraus da felicidade, para citar algumas. O feminino ferido pode resultar em tristeza e, depois, em passividade.
O core feminino é capaz de trazer paciência, calma e bem-estar, mesmo quando absorvida pela correria da vida moderna. É a parte da mulher que incuba, nasce e nutre.
O melhor do masculino pode ser caracterizado pela confiança, sem arrogância; pelo pensamento racional, sem a necessidade do controle; honra, sem desejo de guerra. Fornece estabilidade, força e coragem em um mundo em constante mudança. Mas com o movimento da equalidade, esses traços foram sendo incorporados pela mulher para que ela pudesse competir em um mundo cujas regras foram feitas por homens. Em um sentido, partes da mente feminina resultaram masculinizadas.
Arianna Hufffington, em um de seus artigos, diz que as mulheres estão se afogando em dados e morrendo de fome por sabedoria. Uma lista cada vez maior de coisas por fazer, uma agenda apertada onde buscar as crianças na escola vira sobrevivência logística, ativam as complexas reações de estresse no organismo. Em pouco tempo sobrevém a sensação de estafa. Tudo isso na esteira de executar, alcançar e ser a melhor. Embora essa estafa seja de início uma sobrecarga psíquica, ela resulta prejudicial para o funcionamento do corpo, desmembrando os delicados circuitos que regem o funcionamento dos hormônios. Na medicina Ayurvédica, os desequilíbrios hormonais estão relacionados à estafa, ao estresse e à supressão do fluxo psíquico da energia feminina.
Mas a corrida para ser moderna, para que a mulher esteja conectada digitalmente com o mundo pelas redes sociais, não está atrelada à mudez da voz feminina ancestral como se fossem coisas xifópagas. Ambas podem coexistir de maneira pacífica. Aliás, quando isso acontece, a mulher se torna capaz de trazer para si própria as qualidades regenerativas da alma – esta que as redes sociais, o empenho ao trabalho e a sobrecarga emocional danificam.
O médico e pesquisador Jon Kabat-Zinn, fundador do movimento mindfulness, coloca a questão da seguinte forma: digamos que você passa por um momento difícil e precisa resgatar seu poder interno de cura. Para isso você deve estar em conexão com essa dificuldade, com esse obstáculo pelo qual você está passando, você precisa senti-lo e, de alguma maneira, deve apoderar-se dele de maneira consciente – em resumo tornar seu inimigo, amigo. E completa “é aí que o poder de cura da prática da atenção plena entra em cena”.
Mulheres são capazes de meditar em tranquilidade. Exercem a técnica do mindfulness amparada em seus poderes naturais de reflexão e quietude. Em pouco tempo, mulheres habituadas a trabalhar em ciclos diurnos intensos, sempre conectadas, sempre disponíveis, se tornam capazes de também conectar-se internamente com os poderes regenerativos deixados a elas pelas mulheres que correm com as lobas. É nesse ponto que suas vidas passam a mudar.
Fonte: Martin Portner é Médico Neurologista, Mestre em Neurociência pela Universidade de Oxford e especialista em Mindfulness.