por Roberto Goldkorn
Quando fiz faculdade de Psicologia conheci um rapaz que aparecia de vez em quando às aulas e ficava quase escondido nas últimas fileiras.
Ninguém falava com ele e por isso me senti atraído para conhecer a sua história. Ele demonstrou desconfiança com a minha aproximação, mas aos poucos foi se sentindo mais à vontade com a minha presença e finalmente me contou a sua história: Estava absolutamente convencido de que era a reencarnação de Jesus Cristo!
Logo percebi que se tratava de um caso de patologia psíquica e fui saber mais tarde que era figurinha conhecida dos professores (quase todos psicólogos), mas como se tratava de um "louco manso" (tomava regularmente seus remédios) era deixado em paz para ir às aulas quando quisesse.
Ele tinha a serenidade daqueles que sabiam. Seu sorriso beatífico traía – ao olhar mais atento – a ponta de loucura daqueles que foram ocupados por uma "entidade alienígena" e perderam de vez seu próprio self. Ele não tinha a menor sombrinha de dúvida de que era mesmo Jesus Cristo redivivo, e às minhas delicadas contestações respondia: "Por que não? Para Deus nada é impossível. As razões Dele são imperscrutáveis. Não cabe a mim, nem a você discutir, por que fui escolhido. Eu também contestei muito. Hoje eu simplesmente aceito esse fardo, aceito a vontade divina. Não me importo mais de ser chamado de louco, de ser obrigado a tomar remédios tarja preta. Nada disso vai mudar o que a minha natureza é. Minha missão me foi dado do Altíssimo."
Dá para discutir? Muitas vezes a lógica da loucura é extremamente racional, sabem por quê? Porque a realidade costuma ser extremamente irracional e completamente insana.
Bilhões de pessoas aceitam sem contestar mitos e feitos extraordinários, bizarros, manipulados ao longo do tempo, só por que estão escritos num livro que ganhou status de sagrado, mas cuja trajetória não têm a menor ideia de como foi construída. Por que lutar pela crença irracional quando interessa e querer ser racional quando também interessa?
Se aplicássemos os critérios de patologia psíquica como os conhecemos hoje, aos maiores nomes da nossa história (religiosa, social ou política) não teríamos o que hoje se chama de civilização ocidental.
Os caminhos que desaguaram na sociedade moderna atual, foram riscados na carne do planeta por pessoas que tinham certeza absoluta e foram não só guiadas mas turbinadas por essa "coisa" que os fez ir em frente desdenhando toda a Razão, atropelando a tudo e a todos à sua frente.
Conheci um poderoso empresário que saiu da pobreza para a riqueza em menos de vinte anos. Ele me confidenciou em alguns momentos de confiança total, que tinha absoluta certeza de ser um predestinado – um escolhido, e a cada vitória, a cada virada de jogo, quando tudo parecia estar perdido e ele acabava vencendo, sorria com a confirmação de que "O Homem lá em cima o havia escolhido". Quando imprudentemente tentei contestar essa crença bizarra, ele ficou sério e me disse: "Quem é você para desacreditar disso? Com todo o seu conhecimento, ainda é pobre e trabalha para mim. Eu não tenho dúvidas de que fui escolhido, por isso tudo que faço dá certo, quanto a você…"
O mundo não foi feito para ser conquistado pelas pessoas que têm dúvidas, pelas pessoas ponderadas, sensatas, e sim para os Napoleões, os Tutancâmons, os Cristos renascidos, as rainhas de Sabá e tantas outras figuras ilustres que estão entre nós mais vivas do que nunca.
Quem tem a coragem e a (burrice) de exercitar em público suas dúvidas e hesitações, está ferrado, vai ser estigmatizado, será rotulado de fraco, inseguro, perdido, habitante desse lugar incômodo que é a parte superior do "muro". Mesmo no Oriente onde Buda semeou a lição do caminho do meio, vamos encontrar cada vez menos gente disposta a permanecer nessa incômoda posição: "Escolha um lado ou um extremo" nos dizem, "quem não está comigo está contra mim", bradam outros.
Estamos mergulhados na cisão da sociedade esquizofrênica que dá remédios tarja preta para os "napoleões", mas entrega o título de cidadão honorário aos executivos e políticos psicopatas que "chegaram lá" massacrando os "duvidantes" que cruzavam seu caminho.
Mas essa não é uma mensagem pessimista, não acho que precisamos nos tornar todos napoleões ou rockfellers, possuidores de mentes absolutas. Eu não trocaria a minha pobreza sensata, minhas toneladas de dúvidas, meus topos de muros pelas certezas absolutas de algumas pessoas à minha volta que sabem de tudo e assim pairam acima do resto da humanidade.
Acredito que possa haver uma relação direta entre a imensa miséria moral e real de nosso mundo atual (no passado talvez fosse até pior) e a modelagem desse mesmo mundo pelas mãos dos "absolutamente certos" e que não foram trancafiados nos manicômios.
Acho que um dia poderemos viver num mundo mais manso, onde não se degole pessoas em frente a câmera com a faca da certeza absoluta, onde o carrasco na hora H tenha uma crise de consciência e diga: "Péra aí, será que Deus quer mesmo isso? Será que estamos fazendo a coisa certa?"
Até lá vamos duvidar, vamos hesitar, vamos ter a coragem suprema de dizer: "não sei", de não nos levar tão a sério e não dar ibope aos insanos que têm certeza de que sabem exatamente quais são os desígnios de Deus ou que se autoconvocaram para libertar a sociedade.
Lembrem-se: a Verdade não tem pressa.