por Leonel Vieira
As duas narrativas a seguir, baseadas em fatos reais, retratam o momento em que duas pessoas, Jonas e Paulo (nomes fictícios), descobriram o poder da não- violência, ao se manterem equilibrados numa situação em que o impulso inicial era reagir agressivamente.
Jonas, despachante de operações de uma companhia aérea num importante aeroporto brasileiro, estava cansado, fazendo hora extra em razão do atraso de um vôo noturno. Teria que acordar cedo para ir à faculdade e o dia de trabalho havia sido estressante, com vários vôos atrasados e alguns extravios de bagagens. Era quase meia-noite e os passageiros, que deveriam ter embarcado há horas, estavam irritados.
Um dos passageiros aproximou-se e o questionou agressivamente sobre o atraso com palavras ofensivas. O primeiro impulso de Jonas foi reagir à altura respondendo também agressivamente àquele ataque. Porém, no mesmo instante, olhando para o passageiro raivoso, percebeu que qualquer resposta dura de sua parte poderia fazer com que o outro se descontrolasse, partindo até para a agressão física. Jovem e fisicamente em forma, Jonas não sentiu medo desta possibilidade, mas sabia que, num confronto físico com o passageiro, só teria a perder, mesmo se ganhasse. Então, respirou fundo, relaxou e começou a ouvi-lo.
Jonas percebeu então que algumas coisas que ele dizia eram relevantes – por exemplo, sua bagagem do vôo anterior estava extraviada e precisaria embarcar com ela no próximo vôo. Outras coisas que o passageiro dizia, porém, pareciam desabafos de sua frustração.
Sem um oponente para brigar, tendo à sua frente apenas uma pessoa calma e atenta ao que ele dizia, o passageiro foi se acalmando. Quando percebeu isto, Jonas, com tranqüilidade, orientou-o sobre como proceder em relação à bagagem extraviada e explicou a razão do atraso dos vôos. Desta maneira, a situação do passageiro foi encaminhada da melhor forma possível.
O segundo caso foi o de Paulo. Ele havia sido promovido a gerente há cerca de duas semanas e estava enfrentando agora um problema delicado. Havia solicitado para Vilma, uma competente técnica do departamento, que realizasse uma determinada tarefa. Vilma retrucou agressivamente ao seu pedido e deu a entender que não faria a tarefa. Tenso, Paulo pediu-lhe que viesse à sua sala pra conversarem sobre o assunto.
Percebeu a expressão de má vontade quando ela entrou na sala. Pediu-lhe que sentasse e perguntou o que estava acontecendo. Vilma então soltou os cachorros: disse que não faria a tarefa porque já estava com muito trabalho, que Paulo era desorganizado, que atrapalhava seu desempenho… E disse tudo isto com o dedo em riste na cara de Paulo.
O comportamento agressivo de Vilma pegou-o desprevenido. Seu primeiro impulso foi demiti-la imediatamente. Mas, como havia assumido a gerência há pouco tempo, uma decisão desta seria vista por todos, principalmente por seu chefe, como um indicador de que sua promoção havia sido um erro. Refletiu que ele mesmo, Paulo, se estivesse no lugar do seu chefe, pensaria a mesma coisa. Pensou então em suspendê-la por uns dias, mas descartou esta opção pela mesma razão. Já havia descartado também responder no mesmo tom, pois percebera que, no estado em que Vilma estava, provocaria um bate-boca irracional.
Sem saber o que fazer, Paulo resolveu não fazer nada por enquanto. Tendo tomado esta decisão, relaxou e começou a ouvi-la melhor. Percebeu então que concordava com alguns argumentos dela, embora discordasse de outros. Sobre o que concordava, começou a expressar-se dizendo: "concordo", "você tem razão sobre isto" Em relação porém às coisas que não concordava, calava-se para evitar um possível conflito.
Sem oponente para brigar, Vilma foi diminuindo seu tom agressivo, ficando cada vez mais calma, até que começou a chorar. Paulo ofereceu-lhe um lenço de papel e aguardou com simpatia até que parasse de chorar. Então, disse-lhe: "Vilma compreendo que às vezes minha forma de trabalhar tem prejudicado a eficiência do seu trabalho. Ambos estamos no mesmo barco. Como poderemos trabalhar juntos para nos ajudarmos mutuamente a sermos mais eficientes?"
Assim, a conversa tomou um rumo mais produtivo e combinaram um procedimento de trabalho mais eficiente para ambos. A partir desta reunião, o relacionamento profissional de Paulo e Vilma fluiu bem. Ambos ganharam e o departamento como um todo, também ganhou.
O que há de comum nos dois casos? Jonas e Paulo, numa situação em que estavam se sentindo atacados agressivamente, ao invés de contra-atacar, pararam, relaxaram e ouviram atentamente o oponente. Paulo foi além: mais que ouvir com atenção, expressou sua concordância com o que achava válido naquilo que a pessoa estava dizendo e com isto enfatizou o que tinham em comum, aplainando o terreno para construírem algo produtivo em conjunto.
Cada um deles, ao não entrar na arena de combate, mas esperar, mantendo-se equilibrado, desarmou o outro e o converteu em aliado. Este é o poder da não violência.
"O sábio atinge sua meta sem utilizar a força. Conquista sem infligir sofrimento, sem destruir, sem orgulho, sem explorar o próprio sucesso, e depois pára. Vence sem violência."
(Lao Tsé, séc. VI a.C.)