por Aurea Caetano
É preciso acentuar a problemática da distinção mente/corpo, ou ainda, lembrar que não há tal distinção. Impossível falar em uma mente não “incorporada” ou em um corpo que não seja também “mental”. Ao falar em energia psíquica reproduzimos de certa forma essa mesma dicotomia: é possível falar em algo que seja exclusivamente psíquico ou mental? Como falar então de uma forma de energia que seja não física ou “apenas psíquica”?
Sabemos que isso não é possível, mas repetimos de alguma forma a velha dicotomia ao tentar falar de processos que acontecem “apenas” em nossas mentes, o que lhes daria uma qualidade especial. Seriam mentais e é como se, então, carecessem de algum tipo de fisicalidade.
Ora, processos mentais acontecem, são sentidos e percebidos no corpo, ou pelo corpo, que nos representa, identifica ou que aprendemos a chamar de nosso. Damásio, neurologista português, diz: "A alma respira através do corpo, e o sofrimento, quer comece no corpo ou numa imagem mental, acontece na carne.” (O Erro de Descartes, pg. 18)
O olhar do outro, desde o início da vida, nos nomeia e confronta. O bebê na barriga da mãe já têm um nome e uma história, ocupa um lugar em uma família, comunidade, sua existência, ainda que precoce, provoca uma enxurrada de expectativas, de transformações. E elas são sempre humanas – mentais e físicas ao mesmo tempo.
Várias modificações hormonais são necessárias para que aquele embrião possa crescer e se desenvolver na barriga da mãe. Essas modificações que podem parecer apenas fisiológicas, provocam uma onda de transformações no funcionamento global daquela mulher e por que não, também da família ao redor. Não há como discriminar o que poderia ser chamado de “apenas fisiológico” e o que é o psíquico.
Seres humanos “superiores” que somos, temos uma noção de eu bem definida e aprendemos através do desenvolvimento da linguagem a nomear e comunicar nossos pensamentos. Aprendemos também a reconhecer as partes de nosso corpo, nossas dores e sofrimentos.
Toda tentativa de discriminar a diferença entre esses conceitos é inglória. Corremos o risco de permanecer na dicotomia e não perceber a impossibilidade de existência de uma psique (mente) sem corpo. Ou como disse Winnicot (Da Pediatria à Psicanálise, pg. 409): “Quando falamos da mente que influencia o corpo ou do corpo que influencia a mente, estamos meramente usando uma linguagem taquigráfica conveniente no lugar de uma expressão mais incômoda”.
O desafio parece ser sair dessa linguagem taquigráfica e encontrar uma expressão possível que dê conta de abordar a totalidade do ser em suas múltiplas expressões.