por Regina Wielenska
Vira e mexe aparece na mídia ou em conversas sociais a noção de que o câncer é determinado por mágoas mal resolvidas. Até mesmo são divulgados textos falsamente atribuídos a um famoso oncologista de São Paulo nos quais aparecem variantes dessa noção.
Pesquisar perguntando a algumas centenas de pacientes oncológicos se eles tiveram alguma mágoa nos últimos x anos não é boa prática de pesquisa. Primeiro, há vieses de memória. Segundo, os que tiveram podem ter se esquecido. Os que não tiveram, poderiam ter também se esquecido ou estarem negando o ocorrido.
Por outro lado, para fins de comparação, se perguntarmos a outro tanto de pacientes com outras doenças ou a indivíduos considerados saudáveis por ocasião da pesquisa, podemos também obter respostas enviesadas e não chegaremos a qualquer conclusão. E mais, mágoa é algo individual, como comparar eventos distintos e a reação de cada um a tais eventos?
Em segundo lugar, vejam o seguinte. Desde que as geladeiras ocuparam seu lugar nos lares em boa parte do mundo, aumentaram os casos notificados de câncer no mundo. A partir desse aumento constatado nos dois índices, já podemos então concluir que usar geladeiras causa câncer? Claro que não! Os eventos não mantêm entre si qualquer nexo causal, a cadeia de determinantes biológicos, ambientais e comportamentais do câncer é muito mais complexa do que essas relações simplistas.
Estamos a comentar um problema de saúde grave. Felizmente, cada vez mais passível de detecção precoce e tratamento bem-sucedido.
No mínimo é leviano atribuir um câncer que incidiu sobre alguém a mágoas não resolvidas. E mais, isso acaba indiretamente deixando no ar que certas emoções causarão necessariamente a doença na pessoa emocionalmente mal resolvida. A culpa da doença estaria, então, ligada ao que a pessoa sentiu?! Absurdo e cruel.
Estamos falando de uma doença complexa, com uma série de variações e determinantes entrelaçados. Há causas virais, genéticas, ambientais (poluição e radiação), e outras ligadas a hábitos como tabagismo, abuso de álcool e alimentação rica em gorduras e açúcares e pobre em fibras e vitaminas. Sim, há muito que se investigar. Mas atribuir de modo taxativo que certas emoções adoeceram a pessoa, pode ser cruel demais e pouco preciso e verdadeiro. Compaixão e dados baseados em boas fontes científicas é o mínimo que devemos buscar.