por Anette Lewin
Depoimento de uma leitora:
“Sou casada há três anos. Eu e meu marido decidimos que teríamos um filho. Engravidei depois de muito tentar e descobri problemas de reprodução (só eu tenho dificuldades). Tudo andava bem, viajamos para fazer o enxoval e com 22 semanas de gestação, descobrimos que nosso bebê tinha uma síndrome rara que o levou a óbito semanas depois. Tive que induzir o parto, foi horrível e chocante. Meses depois, um susto, engravidei novamente, mas senti que não estava preparada; fiquei angustiada e sofrendo muito, só de imaginar passar por tudo aquilo novamente… com 8 semanas, tive um aborto espontâneo. Novamente sofri muito. Procurei ajuda psicológica no início deste mês, mas sinto que não quero mais ter um filho e, por mais que eu não sinta que ter um filho seja uma coisa muito importante para o meu marido e para mim, não sei como tocar nesse assunto com ele. Estou sofrendo muito para aceitar que não quero e também não sei como falar sobre isso com ele. O que faço?”
Resposta: Você e seu marido decidiram, há algum tempo, que queriam ter um filho. Foram atrás de seu objetivo e tiveram duas tentativas que não deram certo. No momento você sente que não quer mais tentar, sente que ele também não faz questão, mas não sabe como abordar o assunto. Muito bem, é perfeitamente compreensível que duas perdas seguidas gerem uma certa insegurança. Mas resolver a questão através da desistência seria uma opção até possível se a decisão fosse só sua. Apesar de você ser dona de seu corpo e poder decidir se quer ou não gerar nele uma vida, a questão, do ponto de vista emocional, diz respeito também a seu marido. Assim, não tem muito jeito de você fugir dela. E quando não tem jeito o melhor é enfrentar.
Antes desse enfrentamento, vamos a algumas considerações práticas sobre a questão. O aborto espontâneo ou a malformação são intercorrências bastante frequentes nas gestações. Não podemos esquecer que nos dias de hoje as mulheres engravidam mais tarde e assim a probabilidade dessas intercorrências tem aumentado bastante. É claro que nem sempre as mulheres divulgam essas questões publicamente. Afinal, vivemos em tempos em que todo mundo é feliz na rede social, guardando suas infelicidades longe da tela.
Assim, temos a impressão que mulheres de 30, 40 anos têm sempre bebês perfeitos em sua primeira tentativa. Não é bem assim. Existem mulheres que abortaram muitas vezes antes de ter seus filhos. E persistiram até conseguir chegar ao seu objetivo.
Tente entender se você realmente está desistindo de engravidar por convicção ou por que é difícil. Certamente ter filhos é uma decisão optativa e ninguém é obrigada a tê-los se não se sente preparada para tal. Mas no seu caso essa vontade um dia existiu. E antes que você encare essa desistência como mais um "aborto" que pode não só frustrar seus sonhos, mas derrubar sua autoestima, avalie bem se você realmente está pronta para desistir. Porque muitas vezes o arrependimento pelo que não fizemos dói mais do que o arrependimento pelo que fizemos e deu errado.
Como conversar como seu marido
A partir dessa reflexão e de posse de uma ideia mais clara sobre ter ou não ter filhos, é hora de conversar com seu marido. Se você não sabe como se posicionar, num primeiro momento, pergunte a ele o que ele pensa sobre a questão filhos daqui para diante. Tente entender se ele tem uma posição fechada sobre o assunto ou se ele prefere deixar a questão para você resolver. Pergunte como ele se vê no futuro, com e sem filhos, ou seja, tente entender como estão as fantasias dele sobre a paternidade. Aproveite esse momento para reavaliar suas próprias fantasias sobre a maternidade, desde as mais simples, como o enxoval do bebê, a amamentação, os primeiros passos, até as mais complexas como quem vai tomar seu lugar quando você se for ou quem vai cuidar de você na velhice.
Além das fantasias sobre a maternidade, permita-se trocar com ele todos os seus medos, frustrações com os abortos, e veja o que ele tem a dizer sobre isso. Enfim, esse é o momento de vocês redefinirem um objetivo que um dia fez parte da vida de vocês. E esteja pronta para mudar de opinião tantas vezes quantas for necessário. Quando se discute um assunto delicado como esse, é importante que se tenha flexibilidade, que é o instrumento imprescindível para se chegar a uma conclusão coerente. A partir daí, vocês estarão prontos para assumir a decisão tomada e se responsabilizarem, em conjunto, por ela.
Depois dessa reflexão, caso você sinta que ainda não está pronta para conversar com seu marido ou resolver se quer ou não ter filhos, talvez valha a pena procurar uma terapia de casal. Um profissional treinado pode encaminhar a questão e ajudar você e seu marido a se posicionarem frente a essa decisão tão importante na vida de vocês. Nada melhor do que a sensação de uma resolução tomada através de empenho, consciência, e cumplicidade com o cônjuge. Independentemente de resolverem ter ou não ter filhos, a parceria amorosa ganhará em qualidade.
Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de uma psicóloga e não se caracteriza como sendo um atendimento.