Noção da passagem do tempo para a criança e o adulto são diferentes 

Só a partir dos 11 anos que a noção de tempo começa a ganhar a possibilidade de abstração. Saiba por que essa diferença na noção do tempo pode trazer dificuldade no desenvolvimento da criança e gerar ansiedade nos pais.

Tudo muda em etapas que se sucedem, essa é a descrição da realidade que integra a noção do tempo. A noção do tempo tem natureza mental.

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Antes do aparecimento dos relógios, a percepção do curso de tempo era ligada às mudanças que aconteciam no ambiente, nos animais, nas pessoas. Foi Galileu Galilei que usou o movimento pendular como fonte de compasso para a construção de relógios mecânicos. Os intervalos de tempo passaram, então, a serem medidos.

Einstein introduziu a subjetividade na noção de tempo, mostrando que essa noção é relativa e própria a cada um. Alguns segundos podem parecer uma eternidade e algumas horas podem parecer segundos, tudo depende do que se está fazendo ou vivendo.

O tempo pode ser compreendido como uma experiência sensorial. A experiência sensorial é totalmente virtual, individual, mediada pelos sentidos e pelos mecanismos perceptuais do sistema nervoso.

Noção do tempo é adquirida ao longo do desenvolvimento do bebê até se tornar uma criança

Como uma experiência sensorial, mental, a noção de tempo vai sendo adquirida ao longo do desenvolvimento. Nas crianças, o aprendizado das noções temporais está intrinsecamente ligado à ação. Na primeira infância, as crianças têm pouca consciência da noção de tempo.

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Nos primeiros 4 meses de vida, o tempo se dará por momentos: hora de mamar, de tomar banho, de dormir, entre outras atividades que permitem situar o bebê no espaço do cotidiano, além da sequência temporal de antes e depois. Surgem vestígios perceptivos, que mais tarde levarão à consciência da sucessão dos fenômenos. Até os dois anos, a criança vai adquirindo a noção de causalidade no tempo.

O desenvolvimento da linguagem na criança permite representar o objeto mesmo na ausência dele. Progressivamente ela passa a lembrar a sucessão de eventos independente da percepção atual deles.

Só depois dos 7 anos é que a criança começa a adquirir a flexibilidade do pensamento, desenvolvendo a noção de reversibilidade e irreversibilidade dos eventos. Com isso, as operações de tempo, sucessão e duração se integram. Surge a configuração do tempo constituída por fatores lógicos. Apenas a partir dos 11 anos, é que a noção de tempo começa a ganhar a possibilidade da abstração.

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Portanto, crianças não compreendem a noção de tempo como os adultos. Na infância, o tempo parece correr em outra velocidade, o Natal, o aniversário, as férias demoram para chegar. Na vida adulta, de forma oposta, tem-se a percepção de que o tempo corre e, atualmente, ainda em uma aceleração maior.

Na relação pais e filhos, existe o risco de uma dessintonia em relação ao tempo, o que pode trazer dificuldades ao desenvolvimento das crianças e aumento de ansiedade para os pais.

Crianças muito pequenas não conseguem entender o passado e o futuro

Os bem pequenos não entendem passado e futuro, não sabem lidar com começo, meio e fim. A sucessão lógica dos eventos, a horizontalidade do tempo não existe para eles. Pode-se dizer que o tempo é vertical, sendo o momento presente, o instante sem fim. Por isso, a brincadeira da criança parece não ter fim, na percepção do adulto. Enquanto brinca, para a criança, o tempo é suspenso.

É uma incoerência tentar impor marcações no relógio e no calendário a quem não consegue lidar com elas. Pior ainda, é impor à criança uma agenda cheia de compromissos sucessivos, com o objetivo de acelerar o seu desenvolvimento. Na maioria das vezes a consequência pode ser o oposto: crianças pressionadas, estressadas e que podem ter dificuldades no aprendizado escolar.

O adulto busca impor sua vivência de tempo no tempo da criança que é de outra ordem. Mas, o que se observa e muito é que as crianças, apesar das pressões dos pais, encontram brechas para brincar, pela criatividade que são donas.

Os adultos dos dias de hoje, têm uma agenda cronometrada cheia, que nem sempre conseguem dar conta, o que os fazem se sentirem perdedores em relação ao tempo. Não podem, não devem impor aos filhos uma agenda semelhante, pois levarão a eles a vivência do medo de não dar conta. Faz-se necessário, para a criança, dar tempo ao tempo.

É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.