por Jocelem Salgado
No último dia 21 de março o Brasil e diversos países "comemoraram" o Dia Mundial do Sono, uma data que tem como objetivo incentivar melhores noites de sono para todos nós.
Uma boa noite de sono ajuda a repor as energias e, de acordo com estudos recentes, pode até garantir um peso adequado. No entanto, a evolução do homem tem interferido cada vez mais nesse momento revigorante e tão indispensável para a qualidade de vida. O homem moderno dorme duas horas a menos que há cem anos atrás e a luz elétrica é uma das grandes responsáveis por isso.
Até a invenção da lâmpada elétrica por Thomas Edison em 1879, o sol era quem comandava a vida. Bastava anoitecer e todo mundo ia para a cama dormir tranqüilamente. No entanto, com o advento da eletricidade, a produção de melatonina, hormônio que induz ao sono e que só é secretado no escuro, passou a ficar comprometida. Com isso o homem moderno começou a dormir menos.
É claro que a luz elétrica não leva toda a culpa. Um bom sono depende de diversos fatores, externos e internos, e podem incluir desde a qualidade do colchão e do travesseiro até os hábitos alimentares da pessoa. Fatores da vida moderna como ansiedade e estresse, por exemplo, têm sido apontados cada vez mais como destruidores de uma boa noite de sono, comprometendo a disposição e o rendimento no dia seguinte.
Hoje sabemos que um sono de má qualidade não resulta apenas em cansaço o resto do dia, mas pode causar também outras conseqüências mais graves como acidentes domésticos, automobilísticos e no trabalho, irritabilidade e alteração da memória.
Noites maldormidas
Uma pesquisa patrocinada pelo laboratório multinacional Roche e que deverá ser divulgada na íntegra em abril, constatou que quase metade dos brasileiros (43%) apresenta sinais de cansaço durante o dia em decorrência de uma má noite de sono.
O estudo realizado no ano passado teve a participação de aproximadamente 43 mil pessoas. Os dados parciais indicaram que pelo menos 53,9% da população apresenta algum tipo de comprometimento da qualidade do sono, um número 3,9 % maior do que o verificado em 2004 pelo mesmo estudo.
De acordo com o diretor do serviço de Neuro-Sono da disciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo – Dr. Gilmar Fernandes do Prado -, existem cerca de 80 distúrbios do sono e, na campanha que se iniciou no último dia 21, estão sendo focalizados três desses distúrbios com maior prevalência na sociedade: a insônia, apnéia e a síndrome das pernas inquietas.
Todos esses problemas noturnos estão relacionados a sintomas como irritabilidade, sonolência diurna, fadiga, ansiedade e depressão. E em muitos casos existe uma tendência ao ganho de peso e doenças como o diabetes e a hipertensão.
Principais distúrbios do sono
Insônia: dificuldade de iniciar ou manter o sono ou de despertar antes do horário desejado. Quando a perturbação é passageira, não há grandes conseqüências para a saúde; contudo, quando se torna freqüente deve-se visitar o médico e estudar suas causas. Geralmente ela está ligada ao estress, à depressão ou ao uso de medicamentos.
Síndrome da apneia obstrutiva do sono: obstrução da via aérea ao nível da garganta, levando a uma parada da respiração que dura em média 20 segundos. Após a parada no fluxo de ar, a pessoa emite um ronco característico. É um problema grave; as paradas respiratórias podem causar danos irreversíveis devido à interrupção na oxigenação do cérebro. O problema é que a maioria das pessoas desconhece que esse distúrbio é tão sério que pode afetar o coração, podendo até mesmo levar a morte súbita.
Síndrome das pernas inquietas: Afeta cerca de 7% da população e se caracteriza principalmente por uma profunda sensação desagradável nas pernas, nos ossos e, às vezes, como se fosse uma coceira ou friagem, choque, formigamento e, eventualmente, dor
Sonolência e cochilos: direção perigosa
Uma influência negativa de noites maldormidas é observada nas rodovias do nosso país. Num levantamento feito pela Agência Nacional de Transportes Terrestres em 2005, foram observadas 77.159 batidas em linha reta, o que pode indicar falta de atenção ou sonolência ao conduzir o veículo. Apesar de poucos motoristas assumirem já terem cochilado ao volante, os números não mentem.
Um estudo publicado na revista Neurology avaliou 253 pacientes com queixas de distúrbios do sono, roncopatia e sonolência diurna através de *polissonografia (PSG). Os pesquisadores demonstraram que 68% dos pacientes tinham Síndrome da Apnéia do Sono e 31% deles já tinham sofrido ao menos um acidente automobilístico. Esses motoristas relataram tendência para dormir em situações inadequadas, e vários tinham passado o ponto final de suas viagens sem perceber.
Como conclusão, os autores sugeriram, como um passo inicial para identificar os motoristas com distúrbios do sono, a introdução de um questionário quando da realização de exames para obtenção da licença para dirigir.
De acordo com os especialistas, os principais sinais de sono ao volante incluem: sentir a cabeça tombar para frente; dirigir desviando da pista para o acostamento; perceber os olhos fechando; não perceber que esteve dirigindo; ultrapassar o local onde deveria entrar; bocejar e coçar os olhos com freqüência; não obedecer a sinalização.
Higiene do sono
A higiene do sono deve fazer parte de nossas vidas, da mesma forma que a higiene do corpo. Trata-se de um conjunto de regras comportamentais que quando observadas pela pessoa durante o dia, pode potencializar o sucesso de qualquer outro tratamento para distúrbios do sono.
Antes de apresentar algumas dessas regras, saliento que uma das linhas de trabalho da higiene do sono é alterar crenças incutidas na sociedade como, por exemplo, que todos precisam ter oito horas de sono. De acordo com especialistas, cada indivíduo tem uma necessidade. A grande maioria precisa de sete a oito horas de sono, mas existem os dormidores curtos e os longos. No primeiro caso, as pessoas precisam de três a quatro horas de sono e, no segundo, de 12 a 14 horas. Cada pessoa tem que ter a noção de quanto precisa dormir para acordar bem no dia seguinte.
Dicas para uma boa noite de sono
– Mantenha horários relativamente constantes para dormir e acordar;
– O quarto de dormir não deve ser utilizado para trabalhar, estudar ou comer. Não use a cama para discutir ou pensar em problemas. Ela deve servir apenas para o sexo e para o sono;
– Evite cochilar durante o dia; entretanto, sestas habituais não atrapalham o sono;
– Não consuma substâncias estimulantes como coca-cola, chá-mate, chá preto, após os dezoitos horas;
– Procure fazer refeições leves no jantar;
– Bebidas alcoólicas, embora ajudem a relaxar, perturbam a qualidade do sono. Pessoas que roncam devem evitá-las, pois pode haver piora do ronco e das- pausas respiratórias, devido ao relaxamento provocado pelo álcool na musculatura respiratória;
– Permanecer na cama espanta mais o sono. Se você não consegue dormir, o ideal é se levantar, andar pela casa e ler algo relaxante;
– Procure não praticar exercícios físicos à noite, pois eles têm um efeito excitante; mas exercitar-se regularmente durante o dia geralmente ajuda a dormir melhor à noite;
– Se for fumante, não fumar antes de dormir, pois a nicotina favorece a insônia e um sono não reparador;
– Evite colocar televisão no quarto e desligue-a pelo menos uma hora antes de se deitar. Evite também as atividades que não relaxam, como a leitura de livros de suspense;
– Calor e frio excessivos alteram bastante o sono, portanto tentar manter o quarto com temperatura agradável;
– Um banho quente para relaxar os músculos é muito relaxante e ajuda a adormecer;
– Na hora de dormir, visualize, mentalmente, um lugar relaxante, como uma praia ou um campo;
– Pratique a respiração abdominal. Inspire lentamente, enchendo a barriga, e depois expire;
– Faça alongamento e massagens relaxantes, se necessário;
– Procure ajuda médica se tiver suspeita de distúrbio do sono. O especialista indicado é o neurologista.
Os especialistas afirmam que o sono não é apenas um desligamento do cérebro para seu descanso, mas sim, um estado ativo, cíclico, complexo e mutável com profundas repercussões sobre o funcionamento do corpo e da mente na vigília do dia seguinte. O ato de dormir não é diferente do ato de praticar exercícios ou de outros estados da vida. Exige uma preparação, ambiente adequado e a mente livre de preocupações.
*Polissonografia: Esse exame é importante para um diagnóstico diferencial entre os vários tipos diferentes de distúrbios do sono.