por – Katty Zúñiga – psicóloga do NPPI
As tecnologias da atualidade ocupam espaço central na nossa vida, estando totalmente integradas ao nosso cotidiano. Poderíamos dizer que nossa interação com os recursos digitais já é tão natural e automática quanto o ato de acendermos a luz.
Hoje, a partir do celular que carregamos no bolso, conseguimos realizar atividades que, até bem pouco tempo atrás, nos custariam muitas horas e até, em alguns casos, bastante dinheiro. Um bom exemplo é participar de um evento que acontece em outro país. Antes, precisávamos reservar dias para a viagem, e fazer gastos com passagem e hospedagem. Hoje, com ferramentas como o Hangout (reunião on line), podemos não apenas assistir ao evento, mas também participar ativamente dele, de onde quer que estejamos. O ganho é grande!
A internet mudou dramaticamente a forma como nós vivemos. Mudou a maneira como nos relacionamos com as pessoas, como trabalhamos, como nos divertimos, como aprendemos. Mas cabe uma pergunta: isso tudo é 'apenas' bom?
Como tudo na vida, sempre há um lado bom e um ruim. A parte boa é que há muita gente se beneficiando da tecnologia, fazendo usos positivos dela como uma ferramenta extremamente versátil, diversificada e poderosa. Vejo muita gente produzindo vídeos sobre diversos assuntos, desde culinária a meditação até eventos corporativos enormes online.
É realmente muito interessante observar esse empoderamento das pessoas. Para a maioria, a experiência é mesmo muito positiva, porque estão usando essa tecnologia de maneira construtiva e consciente, ou seja, como uma superferramenta para seu dia a dia, uma maneira de deixar a sua vida mais fácil, mais divertida e produtiva.
Na última década, a popularização dos smartphones aprimorou todo esse potencial, colocando esses recursos dentro do nosso bolso, disponibilizando informações durante as 24 horas do dia. Tudo isso se deve à praticidade que oferecem, pela maleabilidade dos aparelhos e dos aplicativos. O que exige cuidado é quando algumas pessoas se perdem nesse mar de informações e possibilidades. Elas se sentem tão seduzidas por esses recursos, que dedicam a eles muito mais tempo que deveriam. Acabam vivendo em função da tecnologia, e não ao contrário, como deveria ser.
Um dos motivos que podem levar as pessoas a se comportarem desse modo é a sensação de pertencimento ao grupo, que lhes permite compartilhar sua vida com os outros e compartilhar a vida dos outros. O curioso é que, às vezes, esse compartilhamento acaba sendo uma ilusão, porque as trocas acontecem com pessoas distantes. Isso desperta sensações agradáveis de prazer no indivíduo, semelhante a certo "relaxamento". Por isso, suas defesas acabam sendo rebaixadas, abrindo espaço para que se sintam cada vez mais envolvidas e imersas nessas interações. É mais ou menos o mesmo mecanismo de quando comemos um chocolate e a endorfina, assim liberada, nos causa prazer. Em alguns casos, queremos mais e mais.
As redes sociais continuamente trabalham para criar novos recursos que ativem ainda mais essas sensações. E isso faz todo o sentido, para o sucesso dos seus negócios, pois uma rede social só existe se há pessoas usando-a. Do lado do usuário, quem consegue dominar todos esses recursos oferecidos pelos sistemas e usá-los de maneira equilibrada transforma a tecnologia em uma grande aliada.
A adoção de uma nova tecnologia pode ser natural e transparente para uma geração, porém exige esforço para a geração anterior. Essas apropriações acontecem em ciclos, como em uma espiral. Se os recursos digitais que estamos discutindo agora são transparentes para a geração atual, ela exige um grande esforço de adaptação de seus pais. Já para esses pais, algo como a televisão, que era completamente integrada ao seu cotidiano quando jovens, foi uma ruptura para a geração anterior. E assim poderíamos continuar sucessivamente com exemplos de novas tecnologias de cada época, tanto para trás quanto à frente na história humana, pois os jovens atuais também terão que enfrentar uma ruptura tecnológica quando forem mais velhos (e ela será natural para seus filhos). Quem está na faixa dos 40 anos hoje deve se lembrar que seus pais lhes diziam que a televisão os deixaria viciados. Entretanto ninguém se diria viciado em TV hoje, por mais que a tenha assistido muito.
Toda essa transformação tecnológica vem acompanhada de uma transformação sociocultural. Por exemplo, a chamada Geração Y, que já está ocupando cargos de chefia nas empresas, vive um paradoxo de produzir muito mais que seus pais, porém também trabalham muito mais. E isso acontece porque a tecnologia lhes permite nunca abandonar sua "vida digital", e isso inclui o trabalho: estão "ligados" o dia inteiro.
Por isso, lhes parece normal e aceitável receber pedidos do chefe no meio da noite seja por e-mail ou Messenger. Pior que isso: muitos respondem aos pedidos assim que chegam, qualquer que seja a hora. E a justificativa é quase sempre: "eu adoro o que faço, então não me importo de receber mensagens no meio da madrugada".
Existe uma ironia que diz que a tecnologia resolve problemas que não existiam antes dela ser criada.
Dessa forma, as pessoas criam novas maneiras de se comunicar, de se relacionar e criam contextos para si e para o coletivo. Isso está destravando muitas possibilidades para todos, um potencial que antes era menos acessível. Portanto, o que as pessoas que "nunca desligam" precisam aprender, é dizer NÃO e colocar limites a si mesmas e para o grupo a que pertencem. Pois essa aparente idolatria sem limites – seu trabalho ou a tecnologia – pode vir a cobrar altos custos ao longo de suas vidas.
Por essas razões, não devemos nos deixar levar por preconceitos – positivos ou negativos – frente aos modos de uso da tecnologia digital. Somente a experiência pessoal, lúcida e consciente poderá nos demonstrar qual é a medida justa e adequada aos limites pessoais do seu uso pleno e criativo: aquele no qual nem somos escravizados, nem fascinados pelos seus apelos. Afinal, qualquer e-mail do trabalho pode esperar até o início do expediente, na manhã seguinte. E o mundo não acabará por isso.