por Lilian Graziano
Reconheçamos nas tecnologias que nos distanciam da natureza, sobretudo as da informação, aquilo que de melhor elas têm a nos oferecer: amplificar a comunicação, aproximar quem está longe, promover a cidadania. Porém, somado a um estilo de vida “pasteurizado”, o uso exarcebado dessa parafernália comunicacional – as redes e os gadgets de acesso a isso tudo -, nos desconecta da natureza, nosso bem essencial, relação impressa em nosso DNA.
Chegamos ao cúmulo, muitas vezes, de ignorar que há um ciclo: o sol nasce e se põe, e existe um intervalo precioso entre uma e outra situação. Não podemos viver como se isso não fosse importante. Ainda temos de acordar e dormir como fizeram nossos ancestrais; sentir frio, calor, perceber as estações do ano e o que muda com elas. Mas nos rendemos aos “ambientes controlados”, pisos sintéticos, pouca grama, insetos e plantas – até os animais “viram gente” e têm controlados os seus modos de vida nos pet centers da vez.
Interessante é ver que as escolas não celebram mais os *solstícios e equinócios… crianças aprendem sobre reciclagem e sustentabilidade sem antes saber o que são essas “coisas”, justamente o que produz, de certa maneira, aquilo que pretendemos sustentável.
Antes disso, ainda, nossas crianças recebem lições sobre diferenças, preconceitos – sem que os educadores percebam que, na relação com a natureza, com o tempo livre e os relacionamentos livres, longe do controle de bedéis e pais aflitos, das “atividades dirigidas”, aprendemos o respeito, os limites do corpo, do horizonte, do corpo do outro. A natureza, mais do que os discursos “quadradinhos” do politicamente correto, é capaz de nos ensinar a diversidade da vida, que o equilíbrio está em tudo o que é natural, por si, sem a interferência do homem.
Sobre o corpo nos falava o falecido e renomado psicólogo José Ângelo Gaiarsa, cuja linha de trabalho difere da minha, mas de cuja fala se pode tirar bons insights. Ele nos lembra que adoecemos pela falta de experienciarmos o corpo, de percebermos o corpo em sua dimensão e singularidade, em sua relação com o mundo, em sua relação com o corpo do outro não apenas para dar e receber prazer (esse que nos vendem nos meios de comunicação). O corpo aprende no corpo alheio. A partir da linha do horizonte, no clima, no espaço aberto, também tecemos nossas fronteiras, formulamos perspectivas. Acalmamo-nos num universo de possibilidades tão boas quanto ruins.
O psicólogo Pierre Weil nada tinha a ver com Psicologia Positiva quando estruturou suas teorias corporais, mas as emoções positivas e mesmo a flexibilidade necessária a uma atitude positiva com a vida aí residem: referenciais postos a teste na perspectiva das múltiplas opções oferecidas pela natureza a nosso corpo e psique (mente). Pois, afinal, são vários ciclos, sóis, luas, primaveras, horizontes, outros, corpos. Muitos são os sentidos a ensinar os caminhos da superação, da emoção positiva.
Modernidade tornou esquizofrênica nossa relação com a natureza
Se é preciso algum estudo para que haja o resgate, o religare com a natureza e o cosmos, há alguns bem recentes e que traduzem o quanto a modernidade tornou esquizofrênica nossa relação com a natureza.
Um exemplo disso são pesquisas sobre o transtorno de déficit de atenção com ou sem hiperatividade TDA/TDAH, condição em que a concentração é difícil, há problemas de memória e/ ou comportamento impulsivo, dentre outros sintomas do quadro, considerado um dos males do século (e, diga-se de passagem, dos que mais rendem à indústria farmacêutica). A despeito dos estudos ainda restam dúvidas em relação à natureza desse transtorno. Seria apenas uma patologia de causa orgânica ou uma condição evolutiva na qual cérebro e psique procuram se adaptar diante de tantos estímulos. Provavelmente não se trata de duas alternativas excludentes, contudo, não deixa de ser curioso o fato de que o ritmo de vida da modernidade possa ter sido o “gatilho”para uma condição disfuncional.
Uma pesquisa divulgada pelos Centers for Disease Control and Prevention, do governo dos EUA, feita com mais de 400 crianças com diagnóstico de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), relacionou a gravidade dos seus sintomas com a privação de ambientes naturais como espaço para brincar. As que brincavam regularmente em ambientes ao ar livre com grama e árvores tinham sintomas mais leves da doença do que as que tinham maior acesso a ambientes controlados, descartando-se todas as variáveis terapêuticas, sociais e culturais envolvidas no estudo.
Estaríamos criando soluções complexas demais para problemas naturais, ou problemas complexos com nosso modo antinatural de viver?
Seja qual for o seu ponto de vista, o melhor é conectar-se… não com plugs, chips, mas a essa natureza, que em todos esses milhares de anos de nossa evolução não deixou de colaborar para nosso bem-estar e nosso equilíbrio.
* Marcam posições do movimento aparente do sol e a incidência de raios solares na superfície terrestre, além de inaugurarem as estações do ano.