por Regina Wielenska
Deram de me encomendar que eu escreva sobre isso ou aquilo. Situação de fato ambivalente. A cada quinzena, ao me aproximar da hora de entregar um novo texto ao editor, sou tomada pela inquietude: sobre o que escreverei?
Fico atenta ao mundo interno (palco de habituais turbulências) e a tudo que me rodeia, em busca de pistas; imploro aos contextos circundantes que façam despencar aos meus pés um tema bom, acompanhado das palavras certas e fluidas, encadeadas do melhor modo.
Tamanha pretensão se desfaz à medida que o prazo se aproxima. Em semidesespero, penso que para começar bastaria uma ideiazinha miserável, e suas palavras incertas. Assim, de um jeito trôpego, me ponho a escrever o que me passa pela cabeça, sejam sandices, obviedades ou ousadias. Às vezes o método parece dar certo: estilo e texto se amalgamam e assim terminam por cativar algum leitor caridoso, ocasionalmente até a mim mesma.
No entanto, há vezes em que o desconforto prevalecerá: minha escrita forçada se revela arrogante, repetitiva, é quando fico imbuída do chato e inútil papel de ditar aos meus pares humanos que o certo é isso ou aquilo. O texto se manifesta ruim, sua embalagem é de duvidosa qualidade. Muitos textos vão parar na lixeira virtual, outros são arquivados, na esperança de que suas palavras sejam alvo de um literário retrofit, capaz de salvar a mensagem e a autora.
Nessa hora, encomendas podem salvar a quem escreve, afinal, são pistas do que o leitor espera de mim, clamando por interlocução. Mas sinto que acolher o pedido talvez se pareça com a estranha tarefa de fazer com que os flocos do cereal matutino componham um perfeito quebra-cabeça. E postergar a tarefa é mesmo bobagem, especialmente depois de constatada a absoluta falta de inspiração. Chegou a hora de experimentar a tal escrita “a pedido do leitor” Deve ser assim que se sentem os redatores publicitários e os ghostwriters, legítimos profissionais da palavra a serviço de terceiros e, necessariamente, submissos às encomendas que lhe fazem.
Pessoas podem ser classificadas? Um exercício de imaginação
Foi assim que cedi relutantemente ao apelo de um amigo: que eu comentasse na coluna sobre o que ele entende como os três estilos de ser: pessoas-eu, pessoas-nós e pessoas-vocês.
Pessoas-eu
As primeiras, “pessoas-eu”, são criaturas que, instadas de poder heliocêntrico, fazem o mundo orbitar ao seu redor. Se uma delas acidentalmente pisa no pé de alguém, um pobre e incauto mortal, talvez pense na hora: “como que o sujeito (leia-se: a vítima) não percebe onde deixou o pé?”. Para elas, o que importa é que suas necessidades – muitas e variadas – sejam prontamente atendidas, sem frustração de qualquer ordem. Caminham impávidas pela vida, pisando em uns e outros, ignorando alguns, sempre movidas pelos prazeres individuais. Colecionam inimizades, e parecem não se importar com isso.
Pessoas-nós
“Pessoas-nós”, por sua vez, buscam a integração com as outras pessoas, dedicam-se a construir pontes que unam os opostos, são mediadoras, levam em conta seu íntimo e escutam com genuíno interesse o que os demais têm a lhe dizer. Depois, depositam na coqueteleira da subjetividade esses vários anseios e buscam oferecer à coletividade um drinque que sacie a sede de todos, da melhor maneira possível. Nem sempre conseguirão, e talvez pelo fato do bom resultado depender da disponibilidade de todos aceitarem perder um pouquinho para ganharem um tantão. “Pessoas-nós” lutam pela alegria geral, sem negligenciarem a si mesmas.
Pessoas-você
Pessoas-você são generosas, sofrem se os outros têm necessidades não satisfeitas, são empáticas e dedicadas ao bem comum. Correm o risco de se excluírem da massa de beneficiados, ou porque estão desatentas ao clamor íntimo ou pela incompatibilidade entre seus próprios anseios (cuja existência reconhecem, mas negligenciam) e o desejo dos outros.
Posto isso, eu lhe pergunto: qual dos três modos de funcionamento prevalece em sua vida? Quem você é? Examinei meu histórico, identifico que alternei entre todos os modos ao longo das décadas. Salvo enganos, os momentos “pessoa-nós” ganharam a parada e resultaram em produtos mais significativos e gratificantes. Importante lembrar que tal avaliação é de caráter subjetivo, necessariamente impreciso.
Encomenda cumprida, restará a mim descobrir se meu amigo ficará satisfeito com esta incipiente discussão sobre generosidade e egoísmo, e a busca do ponto de equilíbrio entre essas polaridades. Alcançar o meio-termo equivale a andar de mãos dadas pelas estradas do convívio social, dispensando algemas, chantagens, ameaças e outras ferramentas que corrompem a harmonia entre os homens. Pessoas-nós terão mais sucesso, e suas vitórias se alastrarão pelos corações de muitos.