por Regina Wielenska
Um dito popular faz menção ao fato do gramado do vizinho sempre parecer mais verde que o nosso.
Curioso é imaginar que, de modo recíproco, o dono do tal jardim talvez considere nosso gramado melhor do que o dele. O mundo teria mais harmonia se a inveja existisse apenas com relação a questões paisagísticas. E o caldo engrossa pelo fato de que maridos, celulares, carros, viagens, filhos, empregos, abdomens, cargos, TVs e uma infinidade de outras “posses”, materiais ou abstratas, são potencialmente capazes de produzir desconforto intenso em quem identifica que o outro tem, faz, conhece ou usufrui exatamente daquilo ao qual não tem acesso.
Há quem denomine como inveja ou cobiça essa forma de sofrimento psíquico. Há pessoas que suportam bem o progresso, sorte, prosperidade ou competência alheia, desde que elas também estejam em patamar equivalente ou superior ao dos demais indivíduos. Ao trilharem sua vida, há os que se preocupam em espalhar metafóricos espinhos e cacos de vidro ao longo da estrada, de forma a atrapalhar aqueles que poderão se tornar concorrentes. Para si, essas pessoas buscam atalhos, mesmo que ilegítimos. A situação se assemelha a do desenho animado Corrida Maluca, antigo sucesso dos estúdios de Hanna-Barbera.
A inveja tem seu preço
A solidão e um grande vazio interior são reservados a quem funciona desse jeito. Mesmo que sejam pessoas cercadas de bajuladores ardilosos (os invejosos são presas fáceis deles), elas terão dificuldade de construir vínculos fundamentados na intimidade, companheirismo e solidariedade. Aliás, essas três palavras lhes são desconhecidas. Talvez se tornem motivo de desprezo ou até funcionem como sinais de ameaça ou perigo. Constituem casos mais amenos os das pessoas ambiciosas, que se comparam constantemente com as demais, mas sem procurarem destruí-las. Para elas ao menos existe a chance do convívio íntimo, afetivo. No entanto, serão prejudicadas pelo estado de eterna insatisfação consigo próprias já que o instrumento pelo qual avaliam seu valor pessoal está calibrado com base no valor alheio.
Dilema da inveja
O dilema na inveja é que no mundo sempre haverá criatura em condição melhor do que a nossa. Tudo é questão de pinçar um aspecto do eu e, automaticamente, sem consciência do que se faz, sair à caça de pessoas que nos sirvam de comparação; é um jogo infindo e perverso. Esse padrão destrutivo de funcionamento geralmente é aprendido cedo, no seio da família ou entre os amigos da adolescência. Em alguns casos, são pais que dão mostras de patológica competitividade, extremamente preocupados com o sucesso alheio, que anseiam por resultados e nunca saboreiam as vitórias pessoais ou dos filhos porque sempre haverá alguém um passo além deles. Os filhos não são valorizados pelo que sabem, sofrem pressão constante para alcançarem outros patamares.
Há também grupos de adolescentes que exercem forte controle interpessoal por meio da vigilância recíproca: são aceitos na turma só os que se submetem a exigentes padrões de consumo, e que se comportam conforme regras arbitrariamente definidas. Faz sucesso quem beber mais na balada, “ficar” com o maior número de pessoas, tiver mais roupas de grife, e por aí vai. Impossível viver em paz quando vigoram essas condições estritas.
Eliminar sentimentos de inveja e de inferioridade: tarefa inútil
Que saída existe para quem deseja transformar esse padrão comportamental?
O primeiro passo é reconhecer em si sentimentos de inveja e seus assemelhados. Após dar-se conta da inutilidade da competição e de comparações desmedidas, pode-se cultivar um projeto pessoal no qual parta do princípio de que cada um é/sabe/tem exatamente o que, até aquele momento, teve condição. Não adianta impor para si parâmetros que cabem a terceiros. Somos frutos de uma história de aprendizagem iniciada por ocasião do parto, e que se entrecruza com predisposições biológicas e fatores sócioculturais, que afetam a coletividade. Do mesmo modo que aprendemos a sentir inveja, podemos aprender a deixar que a ocorrência desse sentimento seja apenas isso, um fenômeno privado a respeito do qual nada precisa ser feito.
Como assim?!
Eu vou sentir inveja (porque minha história de vida assim me ensinou) e não vou interagir com esse sentimento? Libertar-me da inveja não equivale a afastar esse sentimento de mim? Esse é o problema. A maioria das pessoas pensa que é essencial eliminar de si as emoções perturbadoras. No passado, sentiam inveja e, para dar cabo ao subseqüente sentimento de inferioridade, entravam em competição, para provar a si mesmas e aos demais que eram competentes, legais, belas, descoladas, etc.. Tal método lhes propiciou a eterna insatisfação, um vazio, a solidão. Na tentativa de mudarem, ficam perdidas e partem do suposto que não sentir inveja seria a meta. Perda de tempo investir nesse caminho. É perda de tempo brigar com o que se sente. Melhor investir no que se faz.
Agir em conformidade com valores maiores
Na verdade, recomenda-se fazer algo mais profundo. Reveja seus valores: que tipo de vida faz mais sentido, quais seriam as metas realistas, ajustadas ao seu perfil, e que trouxessem qualidade ao viver, sem afastar de si pessoas com as quais poderia ser bom conviver harmonicamente e com intimidade, em clima de confiança recíproca? Você vai sentir inveja e “deixar prá lá”. Suas ações vão caminhar na direção do que lhe faz bem, afinal somos dotados da capacidade de sentir uma coisa A e agir na direção B, oposta a A, isto vale nas ocasiões em que A não nos serve mais e B parece fazer sentido.
Lembro de histórias de gente muito pobre, como o faxineiro de um aeroporto, que encontrou uma mala cheia de dinheiro e a entregou às autoridades. Quanta coisa poderia ser feita com essa dinheirama? Tratamento dentário, TV de LCD, curso de computação, pagar aluguel atrasado, comer iguarias de preço proibitivo… A pessoa escolhe devolver a grana a quem de direito, unicamente pelo fato de sua consciência lhe dizer que “não é justo ficar com o que é dos outros”, “não faça aos outros o que não deseja que façam a você”, mesmo participando de um contexto sóciocultural que lhe dirá “não seja mané, achado não é roubado”.
A inveja destrutiva pode ser combatida se nos ancorarmos, por meio de ações, a valores maiores, que definam o rumo de uma vida da qual naturalmente possamos nos orgulhar, dispensando comparações inúteis e escravizantes. Agir de modo compatível com esses valores automaticamente destituirá o poder motivador inerente ao sentimento de inveja. Então, abandoná-lo à míngua é o jeito.