Por Regina Wielenska
Nada digno de nota na minha vida de terapeuta até aquele instante da 5ª feira, quando os telefonemas e mensagens de texto começaram, um atrás do outro. Cinco pacientes me procurando, emergências legítimas, daquelas de lascar. Profissionalmente, é ótimo: demonstram que confiam em mim, que sei fazer algo por eles. Mas isto também requer encontrar brecha na agenda carregada. Dar telefonemas, discutir os casos com médicos, fazer uma consulta domiciliar, outra no consultório e a terceira, por telefone, já tarde da noite.
Um dos casos tirou meu sono, sentia-me péssima porque a solução que propus para a cliente não resolveu o problema. Além de não ajudar, criei falsas esperanças. Para mim e para a cliente. O resultado final, que julguei apenas razoável, batia de frente com meu perfeccionismo e inconformada perseverança. Sentia-me impotente, frustrada por não ter conseguido auxiliar o outro da maneira como planejara.
No dia seguinte, ao final da noite, pouco sobrara de mim. Exausta, decepcionada, sentia-me responsável por ter oferecido uma solução impossível. Obstinada, passara o dia arrastando montanhas, numa infrutífera troca de argumentos com pessoas (em defesa da cliente) a ponto de secar minha saliva e chegar às lágrimas.
Busco o colo telefônico de Stella, uma querida amiga, e também terapeuta. Desabafo, conto os detalhes da história, um drama cujo epílogo eu me recusava a aceitar. Atenta, ela ouviu tudo, meus choramingos, autoculpabilizações pelo resultado insatisfatório. Ao meu primeiro silêncio, ela dispara:
– “Puxa! Você e Dante descrevem o inferno como ninguém! “.
Foi inevitável rir, apesar do sal das lágrimas. Senti-me menos desesperada, ela deixou claro que para mim tudo aquilo era a filial do inferno. Mas sua frase bem-humorada sugeria perguntas adicionais, uma espécie de subtexto.
– “Concordamos que o inferno, aquele descrito por Dante, representa uma questão universal. Mas qual a dimensão deste seu inferno particular? A cliente está tão infeliz ou desapontada quanto você? O sofrimento dela seria gerado por você ou pelo limite natural das coisas? O que, de fato, atingiu tuas vísceras de terapeuta? ”.
Deu para dormir melhor. Acordei pensando no caso, mas mudou a perspectiva. Caiu a ficha de que, em meio às urgências, eu só perdi o rumo quando minha ação resultou num produto abaixo do esperado por mim mesma. E eu parecia um caminhão sem freio, não me dando conta sequer de que a cliente poderia se dar por satisfeita, na exata medida do (pouco) que me foi possível ajudar.
Stella, com seu humor preciso e profundo, me fez repensar que o mais grave daquele caso era uma teimosa incapacidade de reconhecer o tamanho dos meus braços e o limite das possibilidades oferecidas, pelo mundo naquela hora exata. Palavra de amigo cura onipotência.