por Roberto Goldkorn
Recentemente, mais uma agulha foi enfiada em nossas almas com a notícia da gravidez de uma menina de 9 anos. O autor da barbaridade foi seu padrasto, e ela estava grávida de gêmeos. Até aí nada de muito diferente do que acontece diariamente por esse país.A lei faculta e a medicina decreta: o aborto deve ser feito, pois além de tudo que está envolvido numa gravidez de uma menina de 9 anos, há o risco de morte para ela. Mas a Igreja Católica finca o pé em sua conhecida posição: Não matarás!
Isso quer dizer claramente que a vida da “mãe” que sob todos os pontos de vista é mais vida do que a dos fetos, é menos importante, ou seja, menos protegida do que a dos bebês que um dia seriam aqueles fetos. A Igreja numa posição que eu entendo, mas que é absolutamente estúpida, não negocia seus pontos de vista universais, nem diante de casos muito especiais, muito particulares.
Um antigo professor de sociologia me dizia que o papel das instituições (entre as quais se encontra a Igreja), é frear ou filtrar as mudanças sociais até que elas se mostrem tão genuínas, que atropelem e se imponham às instituições ou se calem para sempre. Isso eu também entendo. Faz parte do papel da Igreja espernear, insuflar seus seguidores e deixar bem claro até fazendo beicinho que não aprova a atitude das autoridades e dos médicos, mas ela quis aparecer mais que os jogadores e …excomungou o médico que fez o aborto.
A Igreja católica, um náufrago à deriva nos mares da sociedade moderna, ainda tenta lançar mão de um recurso medieval que hoje não assusta nem as criancinhas, que assaltam nos sinais de trânsito. Saudosa de um tempo em que esse decreto eclesiástico transformaria a pessoa excomungada num pária social, ela solta um tiro de festim achando que é um míssil. Não na verdade ela não acha isso. Mas os padres devem ter pensado:
– Precisamos cumprir o nosso papel
– Quais as armas que dispomos?
– Podemos levar essas pessoas ao tribunal da Santa Inquisição?
– Infelizmente não Monsenhor. Nem uma fogueirinha? Nem cem chibatadas? Não lamento muito iminência. O que temos pra hoje é só a velha e boa excomunhão.
O velho bispo deve ter feito um muxoxo e ter dito:
– Quem liga para ser excomungado nos dias de hoje?
– Podemos também insuflar os fiéis nas missas a apedrejarem o consultório do médico.
– Não, isso vai piorar a nossa imagem. Vamos de excomunhão então, pelo menos mostramos que estamos vivos e de olho no lance.
A Igreja se declara a favor da vida, mas não excomunga aqueles que matam sem motivo, como o assassino de São Bernardo, e tantos outros. De qual vida então a Igreja está falando? Da possibilidade de vida. Enquanto a vida propriamente dita, a vida com personalidade, CPF, RG e endereço conhecido, a vida que sente fome, que ri, chora e, clama por Deus, justiça e misericórdia continua desamparada por ela como sempre.
Só para terminar.
Uma pesquisa feita nos EUA na década de 70, mostrou que em vinte/trinta anos a criminalidade no país explodiria em índices epidêmicos e incontroláveis. Mas ao chegarmos nas datas previstas não foi isso que se verificou. Estudiosos de todo o país se enfiaram de cabeça para descobrir o que estava errado nas previsões feitas baseadas em estatísticas e outros dados sociométricos confiáveis. Nada. Até que alguém lembrou o seguinte. Logo depois das projeções macabras, uma lei de aborto foi aprovada nos EUA. Essa lei abriu as portas para legalizar abortos de mulheres muito jovens, estupradas, vítimas de sua própria imaturidade ou da violência. Essas crianças que iriam engrossar (em grande parte) as legiões de seres humanos maltratados, mal amados, mal educados e mal vindos, não nasceram.
Assim não foram para as ruas engrossar as famílias de gangues, não foram buscar nas drogas e no crime o amor e a proteção que suas “famílias” certamente estariam impotentes para lhes dar. Essas milhares de Almas que não reencarnaram e não confirmaram as estatísticas macabras, também não tiraram a vida de muitos milhares de americanos, vidas reais com nome e sobrenome. Isso sim é a defesa da vida. Não advogo o aborto como solução para todos os problemas, mas nos estágios primitivos em que nos encontramos socialmente e espiritualmente, onde o Estado e as instituições são incapazes de impedir que uma criança de 9 anos seja estuprada pelo padrasto, é o menor dos males.