por Angelo Medina
Você pode morrer!!! Caso não tenha medo de nada. O medo é considerado um legado extremamente saudável, pelo psiquiatra Tito Paes de Barros Neto, autor do livro "Sem Medo de Ter Medo", ED. Casa do Psicólogo, porque protege a pessoa de uma série de coisas. "Se você não tiver medo, você é capaz de enfrentar um leão, catar uma cobra com a mão, despencar de uma cachoeira…", explica.
Nesta entrevista ao Vya Estelar, o psiquiatra desvenda os mecanismos, dos diversos tipos de medo, e ensina uma técnica para vencê-los. Aprenda a controlar a síndrome do pânico e conheça o caminho para superar um grande trauma.
Vya Estelar – Qual é o objetivo do seu livro "Sem Medo de Ter Medo?
Tito – É um livro para ajudar pessoas que têm medos patológicos. Porque existe o medo normal que todo mundo tem. Escrevo no primeiro capítulo do livro, que o medo é um legado, extremamente saudável, porque protege a pessoa de uma série de coisas. Se você não tiver medo de nada, você morre cedo. Você é capaz de enfrentar um leão e catar uma cobra com a mão. Quando esse medo se torna exagerado ou irracional como, por exemplo, medo de lagartixa e de borboleta, no caso de fobia de animal, aí se fala em um transtorno de ansiedade.
Vya Estelar – O medo é uma defesa?
Tito – O medo é inerente à espécie humana, aos animais e serve como defesa contra perigos que são reais. Sem medo de altura, você despenca de uma cachoeira ou de uma encosta. O medo de dá um vexame, faz você se preparar bem para dar uma aula, um curso… Se isso fica tão exagerado, que impossibilita a pessoa de falar em público ou impossibilita a pessoa de subir num prédio, porque vai ficar num lugar alto, aí se configura o medo patológico.
Vya Estelar – Qual é a fronteira tênue entre o medo normal e o medo excessivo?
Tito – Esta pergunta é interessante porque em psiquiatria todos os transtornos, de um modo geral, tem como um dos critérios de diagnóstico, que o transtorno em si, deve causar um prejuízo acentuado, em alguma das áreas da vida da pessoa: profissional, social, de relacionamento amoroso e familiar, e nas áreas de lazer. Por exemplo, a pessoa não vai viajar porque tem medo de pegar a serra ou porque na casa da praia existem baratas. Ou como no caso do fóbico social que não consegue namorar, ter amigos e se relacionar com as pessoas.
Vya Estelar – Quais dicas você sugere para quem tem medo?
Tito – Procure sempre enfrentar o medo. A contramão da resolução do problema é a esquiva, a fuga. O mais importante é enfrentar a situação, mesmo que seja dando passos graduais do lento para o difícil, trabalhando numa hierarquia. Mesmo que seja por alguns minutos. Quem tem medo de água, por exemplo, permaneça por alguns minutos com a água nos pés, depois até o joelho e assim por diante. Uma hora a pessoa acaba conseguindo. Com a exposição você corrige a distorção cognitiva e muda o seu comportamento.
Vya Estelar – Para os diversos tipos de medos patológicos existiria um tratamento específico ou existe um procedimento básico que pode ser utilizado para os diversos tipos de medo?
Tito – Existem alguns princípios que são bem básicos. As fobias têm em comum o componente da exposição do tratamento, que é o enfrentamento gradual, repetido, frequente e prolongado das situações geradoras de medo, trabalhando numa hierarquia.
Tratamento consagrado – Exposição gradual a situações e aos objetos do medo
Construção de uma hierarquia para a realização da exposição
Medo de barata – se expor na seguinte ordem
1º O desenho de uma barata em branco e preto
2º Uma gravura colorida com uma barata
3º Uma foto de uma barata
4º Assistir a uma fita de vídeo com baratas
5º Segurar uma barata de plástico ou de borracha
6º Segurar um recipiente de vidro com uma barata morta
7º Olhar para um recipiente com uma barata viva a uma distância de um ou dois metros
8º Segurar nas mãos o recipiente com uma barata viva
9º Matar uma barata solta
Medo de injeção – se expor na seguinte ordem
1ºManusear uma seringa lacrada.
2º Tirar a agulha e segurá-la.
3ºTirar a proteção da agulha para passá-la na pele.
4ºInjetar água numa laranja.
5º Fixar com esparadrapo uma agulha sobre a pele do antebraço.
6º Receber uma injeção por via intramuscular
IMPORTANTE: Estes exemplos são ilustrativos para mostrar como funciona a técnica. Mas pode ser transposto para qualquer medo que você tenha. A regra geral é o enfrentamento gradual, repetido, frequente das situações geradoras de medo, trabalhando numa hierarquia. Comece com poucos minutos e depois vá ampliando.
O medo de falar em público
Vya Estelar – O que você sugere para uma pessoa que tem medo de falar em público?
Tito – Indico a exposição da imaginação. A pessoa se imaginar dando uma palestra. A pessoa subestima muito a sua performance. Então sugiro que peça a alguém da família, ou a um amigo próximo, para gravar em vídeo a pessoa desempenhando, para depois assisti-lo. Assistir ao vídeo já é uma exposição, é uma espécie de simulador de vôo. A pessoa vai corrigir uma distorção e observar que o seu desempenho não foi ruim e de repente observar que foi muito bom e superior ao que ela imaginava. Indico também cursos de oratória.
Vya Estelar – O medo de pessoas do sexo oposto, do patrão, do professor, de uma autoridade seriam o mesmo medo ou seriam medos diferentes?
Tito – O que tem de comum em todas essas situações é o medo da avaliação negativa por parte do outro.
Vya Estelar – Seria o medo de não ser aceito?
Tito – Pode-se dizer. É também o medo de ser desaprovado.
Vya Estelar – Isto passaria pela questão da autoestima?
Tito – Passa sim. Os fóbicos sociais têm pouca autoestima. Uma das formas de resolver este problema seria a reestruturação cognitiva que é fazer um trabalho para a pessoa modificar a forma de pensar e a partir daí mudar a forma de seus sentimentos. Faço também o treinamento em habilidades sociais ensinando a pessoa a se comunicar, pois o fóbico social geralmente é lacônico.
Vya Estelar – O que você recomenda para quem passou por um grande trauma?
Tito – Tive um paciente que teve um seqüestro relâmpago e ficou nas mãos dos bandidos por quase 24 horas. Ficou deprimido e com flasbacks. Este tratamento também envolve uma técnica de exposição, onde a pessoa revive todas as situações que ela viveu, indo das mais fáceis para as mais difíceis, com a maior riqueza de detalhes possível, a pessoa grava uma fita e ouve até dessensibilizar a situação vivida. Se expondo a situação a pessoa se descondiciona e põe o medo no seu devido lugar, sem exagerá-lo.
Vya Estelar – O que é colocar o medo no seu devido lugar?
Tito – O problema da pessoa que tem a fobia é que ela enxerga a situação ou o objeto fóbico com uma lente de aumento. Então seria dar a devida dimensão para o medo.
Vya Estelar – Existe uma causa em especifico para a pessoa sentir o medo patológico?
Tito – Existem vária hipóteses aventadas mas nada comprovado. Existem fatores genéticos. Por exemplo, na fobia de sangue e de ferimentos você encontra histórias, na família do indivíduo acometido, em 67% dos casos. Existem pais que educam os filhos num esquema superprotetor. Outra causa é a aprendizagem por modelação, onde a criança observa o comportamento fóbico de uma mãe ou de um pai.
Vya Estelar – O que é o pânico?
Tito – São episódios que se caracterizam por crises de ansiedade inesperadas. A pessoa está bem e de repente começa a se sentir mal e tem um ataque de ansiedade. No pânico, não existe nenhum objeto ou situação característica. A pessoa têm esses ataques espontaneamente. Geralmente de duração limitada. Em menos de 10 minutos os sintomas atingem o seu ápice e geram muito desconforto. A pessoa tem medo, taquicardia, falta de ar, sensação de descontrole, tremor sudorésico, tontura, acha que vai enlouquecer, que vai cair no chão e tem sensações de irrealidade. O pânico se caracteriza por vários ataques repetidos e um medo acentuado acerca de um novo ataque.
Vya Estelar – Existe um intervalo para estes ataques acontecerem?
Tito – A pessoa pode ter vários no mesmo dia, pode ter um agora e ficar com medo de ter outro daqui a quinze dias.
Vya Estelar – O que fazer no caso de síndrome do pânico?
Tito -A pessoa deve inspirar o ar pelo nariz, devagar, realizando a respiração abdominal, isto é, o ar vai para a barriga e não para o tórax. A pessoa deve soltar o ar mais lentamente ainda pela boca. O ideal é respirar em três tempos, ou seja, contando até três. Não utilizar um grande quantidade de ar. Apenas respirar devagar e suavemente. Se a pessoa controlar a respiração, consegurá minimizar boa parte dos sintomas.
Vya Estelar – O que é a fobia?
Tito – A fobia é um medo exagerado ou irracional de determinadas situações ou objetos como o medo de cachorro, barata e altura.
Vya Estelar – O que é a ansiedade?
Tito – A ansiedade por si só é muito genérica. Porém, existe a ansiedade antecipatória. É o caso do executivo que morre de medo de voar e começa a sentir medo de uma viagem que ainda falta um mês para acontecer. Quando ele pensa na viagem, o coração dispara, acontecem tremores e ele não consegue dormir.
Vya Estelar – O que é agorafobia?
Tito – Geralmente são situações em que a pessoa encontra dificuldade para sair ou que o socorro não se encontra disponível. Como, por exemplo, o medo de estar em casa sozinha, acontecer alguma coisa, e não ter ninguém para socorrê-la. Pode ser o caso de a pessoa sair sozinha e, ao estar longe de casa, acontecer alguma coisa e não ter o socorro. Algumas pessoas também se sentem presas em algumas situações. A pessoa está na manicure fazendo a unha e "dá aquele cinco minutos, quero ir embora", a pessoa teme ficar presa a esta situação e então teme ir à manicure, ou ficar presa na cadeira do dentista, no metrô, no carro…
Vya Estelar – O que é a autoafirmação?
Tito – É a expressão adequada de pensamentos e afetos. Se alguém fez alguma coisa que você não gostou, você diz, eu não gostei disto e não concordo.
Vya Estelar – Os medicamentos podem ajudar a resolver o problema do medo patológico?
Tito – Medicamentos só são recomendáveis em casos de depressão. Para as fobias específicas não tem medicação que dê conta. Para os ataques de pânico alguns anti-depressivos podem ser indicados. Mas é fundamental procurar um psiquiatra para recomendar a medicação adequada.
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