por Ceres Araujo
Desde o início da humanidade, o ser humano vive o medo. O medo é um sentimento compartilhado com os animais, mas nós, diferentemente dos animais, experimentamos uma espécie de medo derivado, que orienta o nosso comportamento, haja ou não uma ameaça imediatamente presente. Esse medo derivado é uma característica do ser que pensa e que convive com sentimentos de insegurança e de vulnerabilidade, pois sabe que o mundo está cheio de perigo, que pode se concretizar a qualquer momento, sem aviso prévio e que sabe também, que nem sempre se terá a chance de se defender.
O sociólogo polonês Zigmunt Bauman em seu livro “Medo Líquido”, mostra que a luta contra os medos se tornou uma tarefa para a vida inteira, enquanto que os perigos que os deflagram passaram a ser considerados companhias permanentes e indissociáveis da vida humana. Os seres humanos compartilham com os animais, o medo inato, o medo da morte, porém, apenas os homens têm consciência da inevitabilidade e da irreversibilidade da morte e, assim, têm que enfrentar a apavorante idéia de sobreviver com tal conhecimento.
Na escuridão tudo pode acontecer e não há como dizer o que virá. Ela não é a causa do perigo, mas é a moradia natural da incerteza. Assim, já na pré-história, o homem acendeu fogueiras para prolongar a claridade do dia e poder lidar com o medo da noite.
Bebês, diferentemente do que se acreditava antes, pensam desde idades muito precoces e sentem medo. Pensar é estabelecer relações de causa-efeito, associar, generalizar e, pelas experiências repetidas de relacionamento com o mundo das pessoas e com o mundo das coisas, os bebês conhecem o prazer e o desprazer, o bom e o ruim, a alegria e a dor. Passam depois a ter medo do desprazer, do ruim e da dor. Quanto mais consciência adquirem, mais medo têm.
Os tipos de medo vão mudando à medida que o ser humano cresce. Medo de monstros, dos vilões dos contos de fada, dos personagens do mal dos desenhos da TV, da bruxa perturbam os pequenininhos, que vivem terrores diurnos e noturnos, o que os faz buscar a proteção e a segurança da proximidade de seus pais. Tudo o que é diferente da imagem humana conhecida é assustador.
Quando deixam de serem bebês, surgem outros tipos de medo: o de serem, por exemplo, esquecidos na escola. Na realidade, os medos vividos estão relacionados às fantasias atormentadoras de que os pais não voltem, fiquem doentes, tenham acidentes ou morram. Fantasias a respeito de perda das figuras de proteção atemorizam as crianças e mantêm assustados também adolescentes, adultos e velhos. Sabe-se que, quanto mais a gente gosta de uma pessoa, mais medo se tem de perdê-la. Este medo, que se instala tão cedo na vida das pessoas, nunca mais vai abandoná-las.
Na pré-adolescência, podem surgir os medos do sobrenatural: dos espíritos, dos vampiros, dos mortos. Nessa fase da vida, ficar sozinho, andar só pela casa, olhar no espelho em determinadas horas, o escurecer etc., podem ser sentidos como muito perigosos.
E, assim, os medos vão surgindo em uma sucessão contínua, vão evoluindo, se transformando, mas jamais desaparecendo. O que acontece é que se espera que o ser humano vá ganhando, progressivamente, uma capacidade maior de controlar seus medos. Ele passa a viver em um estado de alerta contra potenciais fontes de ameaça à sua segurança, estado de alerta que precisa ser administrável. Não deixar que o medo controle a pessoa, mas conseguir controlar o medo, significa crescimento.
É importante dizer que os medos vestem as roupagens de sua época. Hoje, os aliens assustam mais que as bruxas. Os assaltantes e os seqüestradores atemorizam mais que o “homem do saco”. A cultura, a sociedade e a época são determinantes para o tipo de medo que se tem que conviver.
No que diz respeito às crianças, seres tão vulneráveis ao medo por sua fragilidade, o controle ou a administração do medo apenas é possível com a ajuda do adulto, alguém psicologicamente mais forte. Cabe aos pais, essencialmente, tal ajuda. Eles precisam garantir proteção, segurança e, mesmo assegurar, até onipotentemente, em certas idades, que nada de ruim irá acontecer a seus filhos.
A relação pais-filhos é uma relação que deve ser baseada no amor incondicional, na confiança recíproca e nas expectativas compartilhadas a respeito da bondade do destino. Quão assustador é para nós, hoje, percebermos que existem crianças que têm medo que seus pais, madrastas e padrastos se transformem em monstros que torturem, supliciem e matem.