por Fátima Fontes
Introdução:
"O mundo caquinho de vidro
Tá cego do olho, tá surdo do ouvido
O mundo tá muito doente
O homem que mata o homem que mente".
(Canção O mundo, de André Abujamra, CD: Moska + novo de novo, 2004)
Neste nosso encontro reflexivo, gostaria que parássemos um pouco para observar e pensarmos juntos no triste e lamentável episódio da explosão de bombas caseiras que ocorreu na Maratona de Boston em 15 de abril de 2013, que matou três pessoas e feriu mais de 170.
Em 19 de abril, os serviços de inteligência informaram que dois suspeitos do atentado foram identificados como Tamerlan Tsarnaev, de 26 anos, que foi morto durante um tiroteio com policiais, e Dzhokhar Tsarnaev, de 19 anos, capturado no dia 20. Os suspeitos, de origem muçulmana, são dois irmãos nascidos na Chechênia que viviam legalmente nos Estados Unidos desde 2003.
Mais mortes, mais dor. O que será que nos cega e nos ensurdece? Nosso vazio? Nossas crenças fundamentalistas?
Mas do outro lado também do mundo, temos notícias de vida dando vida e curando, é o caso da irmã Maria Clara de 1 ano, que nasceu geneticamente selecionada para não carregar o gene da doença de sua irmã a Talassemia, e com isso permitiu por um transplante de cordão e medula a cura de Maria Vitória, sua irmã de 6 anos, em São Paulo, no dia 18 de abril de 2013.Podemos então dizer, que apesar de doente, o mundo tem remédio, sim.
Causas das incertezas de viver no mundo atual
Vivemos tempos de incertezas sem dúvida, imaginaria alguém que indo assistir ou participando de uma maratona perderia sua vida? A resposta é bem direta: não. Mas essa tem sido uma realidade para muitas pessoas em muitas partes do mundo, incluindo a nossa vida privada e pessoal.
Podemos nos indagar sobre as múltiplas facetas dessas violências, e creiam, não há respostas simples para realidades complexas.
As multicausas de tantos crimes e agressões passam por muitos âmbitos, citemos alguns deles: o mercantilista, como a indústria de armas, e o próspero mercado de Segurança Física, que precisa disseminar a "fala da violência" para vender serviços de proteção privado; mas também apresenta os tons políticos de poderio e dominação de homens sobre outros homens, mantendo reféns e cativos em vários formatos; e podemos ainda apontar como outra fonte de motivação, as causas ideológicas, e esse poço de razão, ou da falta dela, são de uma destruição plena, porque constrói justificativas religiosas, filosóficas e sociais para legitimar a destruição em série de qualquer "oponente" ou incrédulo a esses sistemas de crenças.
Mas, também no espaço das nossas pequenas inter-relações, naquele reino chamado pelos cientistas sociais de microssocialidades, temos sidos gestores e disseminadores de grandes desencontros e mortes relacionais e, sobretudo, emocionais.
Parece que estamos "obesos" de queixas, reclamações, intolerâncias, negligências e invejas, ingredientes que funcionam como os elementos explosivos encontrados nas panelas de pressão da explosão em Boston, e com eles criticamos destrutivamente nosso próximo, seja ele cônjuge, parceiro, filho, irmão, mãe, amigo, vizinho, chefe, subordinado, professor, aluno e outros. Esquecendo que as críticas precisam ser feitas com açúcar e com afeto, com a delicadeza que permita adicionar novas possibilidades ao outro, e com isso estejamos mais perto dos encontros, que dos desencontros.
Parece que somos movidos por um impulso para dizer tudo, com o fel que cobre a cólera relacional, e saímos assim a desqualificar o outro e nossos vínculos, matando e destruindo sentimentos e esperanças.
Andamos como diz o rabino Nilton Bonder, em seu livro A cabala da inveja, em estado de "regime nutricional", de afeto e bem querências, mas isso pode e precisa mudar.
Quando uma vida devolve ao outro a vida
Ufa! Acho rico e alentador o caminho de buscar soluções e remédios para os males de nosso mundo cego e surdo, e ao percorrermos o relato da história das irmãs Maria Clara e Maria Vitória (Fonte: jornal paulistano, sexta feira, 19 de abril de 2013, Caderno Vida, Página A 22), podemos encontrar luz no fim do túnel.
E que alegre possibilidade se nos apresentou com a vida dessas duas meninas: Maria Vitória de 6 anos, está curada de talassemia, doença crônica e grave que acontece quando a medula óssea produz menos glóbulos vermelhos e, com isso não produz o sangue necessário para o corpo, o que a obrigava a receber sangue a cada três semanas e a tomar remédios diários para controle do ferro.
Ela foi submetida a um transplante de medula óssea e de sangue do cordão umbilical doados por sua irmã, Maria Clara de 1 ano, que nasceu após ter sido geneticamente selecionada por não ter o gene da talassemia e ser 100% compatível com sua irmã: uma experiência inédita no Brasil.
Mas até chegar aí, os pais da Maria Vitória, não se perderam em seu vínculo e em seu desejo de achar uma solução, mas isso requereu muito esforço deles, imagino o quanto precisaram se apoiar e se ajudarem mutuamente para não desistirem.
Então podemos aproveitar essa brecha de luz que aparece a cada dia em nosso mundo e dizer: que hoje possa ser um dia em que eu faça ao outro todo o bem que eu puder fazer, e que eu elogie mais que critique, e que eu celebre mais do que lamente, e que eu olhe para a natureza que me cerca e veja sua insistência em fazer brotar em espaços de tanta poluição, como São Paulo, lindas floradas, que nos recordam a luta para superar os desafios apresentados a cada manhã.
E para terminar: navegar é preciso, viver não é preciso.
Bem, chegamos ao fim desse texto e mais uma vez somos guiados, neste ponto pela sabedoria de vida dos poetas, e começamos por Fernando Pessoa, esse maravilhoso poeta lusitano que nos incita a viver, afinal, isso é preciso, é necessário, e implica em enfrentarmos as imprecisões de nosso viver diário.
Mas reforço meu pleito por um mundo mais amável e doce, que não significa que seja docilizado, ou seja, dominado por qualquer ideologia ou valor que nos submeta a um jugo de outrem, mas sim que nos auxilie a tratar o outro com uma gentileza tal que estejamos mais próximos, que afastados, mais construtores que destruidores de nosso mundo e de nossas relações.
E para pensar esse mundo em que estamos vivendo e colaborando para seu bem e seu mal, segue a música que teve um de seus trechos como epígrafe desta reflexão.
Abraços afetuosos e até o próximo texto!
O Mundo
Intérprete: Paulo Moska
Compositor: André Abujamra
O mundo é pequeno pra caramba
Tem alemão, italiano, italiana
O mundo filé milanesa
Tem coreano, japonês, japonesa
O mundo é uma salada russa
Tem nego da Pérsia, tem nego da Prússia
O mundo é uma esfiha de carne
Tem nego do Zâmbia, tem nego do Zaire
O mundo é azul lá de cima
O mundo é vermelho na China
O mundo tá muito gripado
O açúcar é doce, o sal é salgado
O mundo caquinho de vidro
Tá cego do olho, tá surdo do ouvido
O mundo tá muito doente
O homem que mata, o homem que mente
Porque você me trata mal
Se eu te trato bem
Porque você me faz o mal
Se eu só te faço o bem
Todos somos filhos de Deus
Só não falamos as mesmas línguas
Everyboby is filhos de God
Só não falamos as mesmas línguas
Everybody is filhos de Gandhi
Só não falamos as mesmas línguas