por Ceres Araujo
Na Mitologia Grega, a Medusa é o monstro feminino com cabelos de serpentes, cujo olhar petrifica. Inconscientemente, em boa parte dos casos, muitas vezes com as melhores das intenções, alguns pais e mães têm esse olhar sobre seu filho.
A autoestima não é inata. Ela é construída ao longo do desenvolvimento, em etapas, no início da vida, depende basicamente da relação entre a criança e seus pais.
O "olhar coruja" dos pais é um fator primário e um dos mais importantes para o desenvolvimento de uma boa autoestima. O "olhar coruja" é aquele que se detém no filho, apaixonadamente e lhe comunica o amor incondicional, que faz dele a criança escolhida, valorizada e admirável.
A criança "encorujada", isto é apreciada e reconhecida pelas suas melhores capacidades, se sente estimulada a se afirmar com segurança, coragem e determinação nos ambientes nos quais se insere.
Ao contrário, o "olhar da medusa", aquele que desvaloriza e deprecia o filho, faz com que ele se sinta sem dotações, comprometendo a segurança para ele se posicionar frente ao mundo.
Assim, valores positivos ou negativos podem colorir ou nublar a autoestima, influenciando de maneira importante a forma pela qual a pessoa se relaciona com os outros, com as situações e consigo mesma.
A formação da identidade daquele que cresce sob o "olhar coruja" de seus pais é completamente diferente da formação da identidade de quem cresce sob o "olhar da medusa".
É frequente, por exemplo, ouvir pais e mães se referirem a um de seus filhos como um bom aluno, por ser muito esforçado, muito estudioso, muito disciplinado, comparando-o com o irmão que também é muito bom aluno, mas que não precisa estudar muito, pois é brilhante, inteligentíssimo. Fazem isso publicamente e na presença do filho, acreditando ser expressão de um elogio. Na verdade, eles expõem o filho na frente de todos como alguém menos inteligente, não brilhante, que tem que sempre estudar muito. Esse é o "olhar da medusa" – um olhar que pode petrificar, paralisar o crescimento. Pais fazem isso de forma, em geral, inconsciente e sem saber das consequências nefastas desse tipo de atitude.
O "olhar coruja" investe o filho de coragem para a luta na vida. Com uma autoapreciação positiva, com os movimentos de afirmação felizes, a pessoa continua encontrando olhares coruja nos outros, com os quais ela se relaciona. Existe um risco: uma inflação da noção de si mesmo com a consequente postura de superioridade frente aos demais. Mas, isso ocorre quando o "olhar coruja" dos pais é cego, totalmente irrealista e advém de um mimar exagerado.
O "olhar da medusa" é, sem dúvida, lesivo ao desenvolvimento, traz sensações de desvalia, sentimentos de inferioridade, sofrimento… e pode prejudicar muito o crescimento pessoal. Entretanto, frente a essa real adversidade, muitas pessoas desenvolvem posturas incrivelmente resilientes. Conseguem elas, apesar da dor vivida, com esforço e disciplina e com criatividade e brilhantismo, se propor metas altamente ambiciosas, perseguindo-as até o êxito.
Sabe-se que, a longo prazo, a dotação intelectual sem o devido esforço e disciplina não traz resultados consistentes. Ao contrário, a disciplina aprendida e treinada desde a infância, pode trazer, ao longo da vida, conseguimentos brilhantes.
Porém, mesmo para os resilientes, o "olhar da medusa", das pessoas significativas petrifica as formas de vitalidade, determinando uma estruturação defensiva importante, gerando sentimentos persecutórios, medos de exposição, pessimismo e dificuldades na regulação dos impulsos e das emoções.
Reforços positivos sempre estimulam o crescimento do ser humano, favorecendo condutas adaptativas tanto ao mundo das exigências externas como ao mundo das necessidades internas. O "olhar coruja" é um essencial reforço positivo para o desenvolvimento íntegro do ser humano. Os reforços negativos, dificultam muito as condutas adaptativas e podem comprometer o desenvolvimento saudável.
Sobrevive-se ao "olhar da Medusa", mas com cicatrizes.