Por Angelina Garcia
A cama, de repente, pareceu-lhe pequena demais e os ruídos noturnos insuportáveis. Virava de lá para cá, de cá para lá, tentando espantar as imagens do dia. Quinze anos de dedicação, engolindo sanduíche às pressas, no suposto horário de almoço. Levava trabalho para casa e nunca deixou de atender às solicitações de finais de semana. Férias, então, esquecera o gosto.
Uma carta impessoal anunciava que, a partir daquele dia, seus serviços já não atendiam às necessidades da empresa, portanto estavam dispensados. O golpe, a princípio, anestesiou Fernanda. Em seguida, ela descartou a sutil sensação de leveza que se aproximava, para dar lugar à indignação. Sentiu-se traída, até mais por si mesma, do que pela empresa. Teria sido tão ingênua que não percebera os sinais, ou tudo foi tramado em surdina com o propósito de surpreendê-la?
Como ocorre em qualquer rompimento que não desejamos, ou para o qual acreditamos não estar preparados, Fernanda esmiuçou os quinze anos para saber onde errou, o que poderia ter feito e não fez. Esquecendo-se que qualquer relação acontece a dois, no mínimo, tomou para si toda a responsabilidade, esvaindo-se em culpa. Junto à culpa, veio a insegurança. Arranjaria outro emprego naquela idade?
Mesmo que uma situação não seja das mais confortáveis, muitas vezes resistimos à idéia de mudança e nos assustamos quando o outro decide por nós. Talvez Fernanda não conseguisse uma cópia perfeita daquele emprego, mas com certeza seria capaz de se adequar a outros, enfrentar novas exigências, ou até mesmo descobrir formas diferentes de exercitar seu potencial criativo.
Pela manhã, arrastou o corpo dolorido, procurando afastar os fantasmas da noite, mas a sensação de ter sido rejeitada quase a leva de volta à cama. Reagiu. Há uma linha tênue entre uma reação e outra: entregar-se ao desânimo, ou perceber que não deixamos com o outro aquilo que investimos na relação. O que demos a ele é dele, que faça bom proveito, mas o que experimentamos vem conosco. Saímos inteiros.
O fato de se sentir preterida, seja pelo companheiro, amigo, ou empresa, torna a pessoa de tal maneira frágil, que ao invés de pensar nas chances que se abrem, ela se fecha naquilo que julga estar perdendo. É comum que ocorra uma valorização de aspectos da relação que nem sempre corresponde à verdade do que foi vivido. É como se o rompimento levasse com ele qualquer possibilidade de se repetirem as coisas boas da experiência, tornando a perda ainda mais dolorosa.
O fato de não atendermos à expectativa do outro em nada nos denigre, ao contrário, pode até confirmar pontos positivos da nossa conduta, da nossa forma de pensar, do nosso jeito de estar no mundo. Antes de acreditar que há algo errado consigo, é importante refletir o quanto seus valores, seus desejos, seu prazer poderão ser preservados exatamente pelo fim da relação. Não servir mais a uma pessoa, a uma empresa, pode significar apenas que seu caminho seja outro; nem melhor, nem pior, mas especial, porque é seu, único.