Aqueles que buscam uma resposta imediata, intuitiva, que resolva as questões “magicamente” não buscam a filosofia; leia o post e entenda
Meu cotidiano é atender pessoas no consultório para que possamos pensar juntos sobre as questões da existência. Como já descrevi nesta coluna anteriormente, este trabalho consiste em exercitar o filosofar diante das questões cotidianas, abordando-as como abordamos os problemas filosóficos. As questões que surgem no consultório são muito variadas, mas, de tempos em tempos, algumas delas são recorrentes.
Entre as questões recorrentes no momento, destaco uma que parece ser geradora de muitas outras: a substituição da consciência reflexiva por uma consciência intuitiva (esta nomenclatura tem aparecido de modo recorrente nas falas de diferentes partilhantes). Em outras palavras, a questão é colocada da seguinte maneira: diante de uma determinada situação, ao invés de analisá-la, de buscar dados e conhecimentos para encontrar as formas mais adequadas para se lidar com o problema, a pessoa tenta “intuir” o melhor caminho – considerando aqui intuição num sentido “mágico”, como se houvesse um conhecimento “inato”.
Algumas destas pessoas buscam a filosofia para “intuir” melhor. Há aqui um grande equívoco. A filosofia não é um saber “mágico” que intuímos do nada através de um exercício meditativo. Ela exige pesquisa, busca das causas, das origens, aprofundamento na compreensão das questões e de suas relações com os contextos e com outras questões; exige, essencialmente, rigor metodológico.
É apenas a partir dessas exigências que um filósofo clínico pode auxiliar alguém a pensar sobre suas questões. Nossa primeira indagação diz respeito a: O que é isto? Assim, se você procura o consultório de filosofia, o primeiro passo será compreender o que se passa, qual é a sua questão. Uma questão tem uma história: qual é a história da sua questão? Como ela se relaciona com a sua própria história e com a história da sociedade na qual você vive? E, ainda, como ela se relaciona com a história da humanidade? Ampliando o foco, as questões podem ser redimensionadas, revisitadas, ressignificadas diante de uma compreensão mais ampla.
Uma segunda, mas não menos importante pergunta é: Como isto ocorreu? A pergunta pela origem busca as causas, mas também a gênese. Como isto começou? Como se desenvolveu? Qual o processo para se chegar ao momento atual? Ao observar a gênese de um problema e seu desenvolvimento, podemos aprender muito sobre ele e, consequentemente, sobre como resolvê-lo. Contudo, nem sempre a solução para a questão é dada pelo estudo da gênese. É preciso, além disso, compreender as relações existentes entre a questão e outras questões, desde sua origem até o momento presente. Isto é similar a buscar as conexões entre raízes nas profundidades do solo, ou seja, o que Deleuze e Guattari, em Mil Platôs, chamaram rizoma.
A investigação prossegue com a pergunta: Por quê? Causas, motivos, razões… estes podem ser encontrados no estudo do problema, mas também podem ser encontrados no estudo sobre nossos modos de interpretar a realidade, sobre nossos posicionamentos diante do mundo, sobre as influências que sofremos, vindas de nossos contextos, entre outros elementos que poderão ser pesquisados.
Ainda pesquisando motivos: Para quê? Qual a finalidade do problema e de tudo que o envolve? O que isto traz como consequências para nossas vidas – individual e coletivamente?
O que? Como? Por quê? Para quê?
Caro leitor, já fez estas perguntas diante de suas questões? Por que, então, precisaria de um filósofo para pensar junto? Não bastaria fazer tais perguntas a si mesmo?
Sem dúvida, fazê-las pode ser muito útil e auxiliar a resolver muitas questões, mas a elaboração das respostas exige pesquisa e rigor metodológico, o que implica em mais questionamentos.
Nem sempre as primeiras respostas que nos vêm são, de fato, as respostas que procuramos. Assim, esta investigação exige, além de uma organização lógica, a leitura da questão e dos contextos sob diferentes perspectivas, permitindo diferentes olhares sobre os mesmos fatos e questões. Como diria Nietzsche: “Quanto mais olhos (perspectivas), mais conhecimento”. Quanto mais conhecimento, mais possibilidades para tornar nossas vidas e sociedade melhores.
Assim, aqueles que buscam uma resposta imediata, intuitiva, que resolva as questões “magicamente” não buscam a filosofia. Ela exige o debruçar-se sobre o problema, a pesquisa, a análise, a crítica. Quando falamos em consciência filosófica, trata-se de consciência crítica, ou seja, conhecimento acerca do que se passa, como, por que, para que… considerando a história do problema – tanto no âmbito individual como no coletivo, considerando os pressupostos a partir dos quais o problema se constitui e é pensado. Mas exige, principalmente, que identifiquemos a partir de quais perspectivas pensamos a questão, identificando, também, outras perspectivas existentes, que se contraponham à nossa.
Referências:
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1. São Paulo: Ed. 34, 1995.
NIETZSCHE, F. Genealogia da Moral. São Paulo: Cia das Letras, 2009.