por Luciana Ruffo – psicóloga componente da equipe do NPPI
Por várias vezes nesta coluna já falamos sobre os ganhos que podemos obter através do uso da tecnologia. Porém, já citamos também alguns dos seus perigos, e é este o aspecto que será retomado neste texto.
Recentemente cinco jovens sofreram um acidente de carro: o motorista era menor de idade, e seu carro caiu em um lago, ocasionando a morte por afogamento das três meninas que estavam no banco traseiro. Até aí, o fato poderia ser encarado como mais uma das lamentáveis fatalidades tão freqüentes em nossas cidades. Porém, o que me chamou atenção neste episódio em particular, foi observar a grande manifestação posterior que ocorreu no Orkut, em relação às vítimas desse acidente.
No perfil das meninas que morreram, foram colocadas várias mensagens de solidariedade, desejando força a elas, com frases dignas de estarem inscritas nas lapides dessas garotas. Mas, no perfil do menino que estava dirigindo o carro manifestou-se um verdadeiro caos… Várias ameaças, vários recados chamando-o de assassino e dizendo que ele deveria “se cuidar”, pois alguém iria se vingar. Se já não bastar a culpa que este jovem vai carregar, e o estigma de assassino que vai acompanhá-lo, dentro de sua própria escola e comunidade, colegas de outros grupos e até mesmo desconhecidos que souberam da tragédia entram em sua vida sem o menor cuidado e o massacram publicamente.
No interior paulista, fotos de uma jovem fazendo sexo com dois homens (até agora não se sabe se é uma montagem ou não) publicadas no Orkut, fez com que a vida das famílias das pessoas fotografadas fossem transformadas completamente. A jovem foi julgada publicamente, tendo que ser até mesmo escoltada por policiais para poder sair da sala de aula da faculdade onde estudava. Perdeu o atual namorado, o respeito dos amigos, da família e, seus pais, o respeito público que tinham em sua cidade Pompéia – SP.
A fofoca sempre se fez presente na vida do ser humano, quando ela envolve o tema da sexualidade se torna ainda mais forte. O anonimato que a Internet propicia faz com que as pessoas possam dizer o que pensam, sem censura ou pudor, pois ninguém vai descobrir de onde partiu aquela acusação e sendo assim não poderá ‘tirar satisfações’.
Sabemos que as grandes massas, sob tensão, tendem a funcionar segundo as regras de uma consciência rebaixada. Basta observar, por exemplo, os momentos de fúria coletiva que se manifestam periodicamente nos estádios de futebol: os torcedores parecem enlouquecer quando frustrados pelo desempenho de seu time, ou frente ao resultado negativo do jogo. Agora, a Internet parece estar configurando um novo espaço – virtual – também propício à manifestação desse fenômeno típico do coletivo humano, onde as pessoas parecem encontrar um canal para descarregar sua raiva, frustração e falta de empatia para com o outro.
Se um acontecimento deste tipo já seria complicado para ser elaborado em nossa pequena comunidade do dia-a-dia, agora em tempos de Internet, onde todos têm acesso a qualquer informação, qual será a estrutura necessária para um indivíduo poder sobreviver a tamanha pressão externa, sem que tenha ao menos seu psiquismo minimamente amadurecido?
Em outro caso, um outro jovem resolveu cometer suicídio frente aos seus amigos, e escolheu o “Messenger” como forma de partilhar esse fato, sem ao menos perguntar se os outros estavam dispostos a assistir ao seu ato. Ele ligou sua “webcam” para toda sua lista de contatos, e após desenhar com uma faca em seu braço a inicial do nome de sua namorada, pulou pela janela. Imagino o trauma resultante para as pessoas que acabaram assistindo a essa cena, supondo até então ser apenas mais uma brincadeira de Internet.
Se por um lado a Internet gera proximidade e traz possibilidades de maior acesso ao conhecimento e novas experiências, talvez ainda sejam necessários alguns cuidados para a preservação de nossa integridade enquanto seus usuários. Os exemplos acima mostram quanto estamos frente a um instrumental novo e potencialmente perigoso, que precisa ser ainda muito estudado e orientado quanto a seu uso. No Orkut, a exposição pessoal é muito grande, e se a pessoa não for bastante seletiva, pode sim, ter problemas com o que irá encontrar, e mobilizar em tais encontros.
Se algumas vezes é positivo não termos informações a respeito de alguns fatos, para que esse desconhecimento nos ajude a ‘esquecer’ (como no fim de um namoro ou casamento) ou uma grande tragédia como a mencionada acima, o Orkut – em sua vasta abrangência de contatos – trás até nós lembranças e informações que nos fazem sofrer de certa forma mais do que o necessário. Ele abre caminho para uma grande exposição pessoal, e ainda para algo que antes víamos acontecer apenas em pequenos focos ou espaços comunitários, como o*'bullyng' que ocorre nas escolas.
Hoje, com toda a tecnologia disponível, o cyber “bullyng” tem se tornado muito presente como ferramenta de uso entre jovens, que recorrem a este recurso para atacar o outro, impondo sofrimento a centenas outros jovens, agora em um novo espaço, e de forma mais protegida, uma vez que realizam seus intentos dentro de sua própria casa, contaminando as novas relações e destruindo a auto-estima das pessoas que são suas vítimas.
O cuidado com a Internet se faz sim necessário. O seu uso para tais fins não pode ser totalmente erradicado, afinal, faz parte da natureza humana a maldade e tais usos não são intrínsecos à tecnologia em si mesma. Mas, cabe aos pais e educadores orientar os jovens quanto aos perigos da super exposição, minimizando assim, possíveis sofrimentos desnecessários.
Bullyng: Denominação dada às provocações e constrangimentos que algumas pessoas infringem às outras, que seriam alvos escolhidos possivelmente por serem portadoras de alguma “diferença” (gordinhos, magrinhos, pertencentes a grupos raciais minoritários, etc).