por Monica Aiub
Volto ao problema mente-cérebro, ou como nossos estados mentais (pensamentos, desejos, sonhos, sentimentos, etc.) interferem em nossos estados físicos e vice-versa. Abordei, inicialmente, o problema em outro texto (clique aqui e leia), com ênfase para a sua formulação no dualismo cartesiano. Desta vez retorno à questão considerando alguns elementos relacionados à depressão.
O século XX é marcado pela criação de instrumentos tecnológicos capazes de conhecer nosso cérebro. Susan Grenfield, no livro O cérebro humano: uma visita guiada, apresenta vários desses instrumentos, desde raio X, EEG (eletroencefalograma), angiografia, tomografia, ressonância magnética, entre outros.
Todavia, apesar de conseguirmos imagens de nosso cérebro, continuamos desconhecendo muitos de seus processos, e não conseguimos mapear, apesar de identificarmos áreas que são ativadas, os conteúdos subjetivos de nossos pensamentos. Como afirma João Teixeira em Como ler a Filosofia da Mente, "se alguém pudesse abrir meu cérebro e examiná-lo, não veria estrelas coloridas nem uma vaca amarela. Veria apenas neurônios e tempestade elétrica ocorrendo" (9).
Por outro lado, vejo partilhantes (pacientes) que chegam ao consultório com diagnóstico de depressão e relatam situações vividas que justificam, em suas historicidades, o fato de ficarem deprimidos. Mas também vejo outras pessoas, que viveram situações similares e não se deprimiram. Questionei, em Filosofia da Mente e Psicoterapias:
"Que peso devemos atribuir ao sujeito numa ciência da mente? Num caso de depressão, por exemplo, há modificação da neurotransmissão, mas essa é acompanhada por elementos subjetivos, fenomênicos, significativos? Tais elementos devem fazer parte de uma ciência da mente? Existem fenômenos que são desencadeadores da depressão? Por que pessoas que passam por situações similares não deprimem? Se há significados diferentes, o que é significado? Como o significado, que é estritamente subjetivo, pode influenciar a neurotransmissão? O problema mente-cérebro debruça-se sobre essas questões, sobre como o cérebro produz estados mentais, mas também sobre a via inversa, ou seja, como o mental pode interferir no mundo físico. Esse estudo constitui a chamada causação mental" (31).
Tristeza ou depressão?
Seria o problema orgânico ou existencial? O que faz a diferença entre tristeza e depressão? Ficamos tristes diante de situações cotidianas; a estrutura de nossa sociedade nos coloca diante de contextos com os quais não concordamos, não gostaríamos de vê-los, muito menos vivê-los. Mas há momentos em que não temos escolha. A fatalidade se apresenta e não há como evitá-la. Isso nos entristece, e é natural que nos sintamos mal diante de contextos assim. Muitas vezes, é o incômodo, o mal-estar que nos provoca a um movimento, à inquietação, à pesquisa sobre outras formas de vida que evitem fatalidades dessa natureza.
Em outros casos, a tristeza mistura-se com indignação e nossa reação é gritar contra o que se apresenta em manifestos, desagravos, repúdios, e outras formas de protesto. Mas há situações em que não adianta protestar, ou nas quais protestar só piora as coisas. Então, lá estamos nós novamente, em busca de formas para lidar com o que se apresenta, de evitar a repetição de tais fatalidades.
Há ainda, casos que nos afligem de tal modo que não conseguimos responder, não conseguimos nos manifestar. Ocorre como se todas as nossas forças se esvaíssem e não conseguíssemos continuar vivendo. Isso pode durar alguns minutos, horas, dias, meses ou, em alguns casos, anos. O que faz a diferença entre uma situação e outra? Será que todas as pessoas respondem das maneiras como descrevi acima?
Tenho notado que não. Entre os partilhantes que atendo, e que são pouquíssimos se comparados à população mundial, vejo diferenças gritantes. A mesma pessoa, inclusive, responde de maneiras muito diferentes a situações, às vezes, similares. Há muitos fatores envolvidos em tais processos e é preciso considerar cada um deles. Obviamente, por questões de segurança, se a pessoa se encontra num estado de profunda tristeza, sem razões justificáveis em sua historicidade, o encaminhamento a um médico, para avaliação, é imprescindível.
Assim, se uma pessoa chega ao consultório de um filósofo clínico com um quadro depressivo, ou uma tristeza profunda, a primeira providência é verificar "o que é isto?". Muitas vezes há situações circunstanciais gerando o quadro e, trabalhá-las pode ser um excelente caminho para provocar a modificação deste. Não sabemos, ainda, apesar de todas as pesquisas dedicadas ao assunto, como ocorrem as relações entre as modificações circunstanciais e as modificações em nossos cérebros, mas podemos verificar que tais movimentos provocam alterações na forma como a pessoa se encontra.
Autoconhecimento e superação
Há situações em que o partilhante chega com o mesmo quadro, mas não consegue identificar, de imediato, o que é isto. É preciso percorrer sua historicidade, pesquisar alterações, movimentações que possam ter relação com o quadro depressivo. Às vezes, nesses processos, a pessoa identifica: "Ah! É isto! Agora entendi o que se passa!", e diante de tal compreensão, consegue trabalhar a questão que lhe incomoda.
Mas há, ainda, situações em que se descobre que não se trata de um contexto circunstancial, mas de um conjunto de crenças, ideias, pensamentos que provocam tal estado. Por vezes, tais pensamentos não encontram condições de satisfação na realidade, bastando desconstruí-los. Outras vezes, tais pensamentos podem, de fato, se concretizar, e para modificar o quadro no qual a pessoa se encontra é preciso criar, juntamente com ela, modos de se proteger de tais situações, que podem ser os mais variados, desde evitando-as, até construindo possíveis maneiras de lidar com elas caso venham a ocorrer.
Mais difíceis são os casos em que "não há o que se possa fazer". Nestes, procuramos, juntamente com o partilhante, formas de lidar com isso. Se não podemos extirpar determinados pontos de nossas vidas, talvez possamos encontrar formas de convívio com eles; ou talvez existam maneiras de minimizar seu impacto, ou até mesmo neutralizar o ponto em questão. Tudo é uma questão de pesquisar os elementos e fazer uso da criatividade para construir formas de vida possíveis. Assim, parece fácil, parece mágica, mas não é. Nem sempre temos uma estrutura que permite viver as fatalidades. Muitas vezes precisamos, primeiro, fortificar nossa estrutura, encontrar em nós mesmos a força para enfrentar as questões, e somente num segundo momento, olhá-las de frente e tentar construir formas para lidar com elas. Assim, a tristeza diante de um fato, de um contexto vivido, pode durar longos períodos, pode nos atrapalhar em muitos de nossos projetos.
Que instrumentos temos para lidar com a tristeza?
Que formas possuímos para transformá-la num elemento de movimentação de nossa existência?
Quais são os modos de vida que nos permitem torná-la um elemento de fortificação?
Talvez se estudarmos nossos problemas e a nós mesmos, encontremos formas de vida mais condizentes com o que necessitamos. Ainda assim, ficam as questões: o que, nesses processos, é resultante do ambiente, de questões subjetivas ou de modificações orgânicas? O quanto aquilo que vivemos subjetivamente interfere em nossa estrutura molecular? O quanto nossa estrutura molecular é responsável pela forma como nos posicionamos diante do mundo? São ainda, questões sem respostas.
Referências Bibliográficas:
AIUB, Monica. Filosofia da mente e psicoterapias. Rio de Janeiro: WAK, 2009.
GREENFIELD, Susan. O cérebro humano: uma visita guiada. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
TEIXEIRA, João de Fernandes. Como ler a filosofia da mente. São Paulo: Paulus, 2008.