por Regina Wielenska
Contou-me uma amiga que, voando a trabalho, logo ao início do percurso, um pássaro atingiu a turbina do avião.
Alguns passageiros testemunharam a explosão e o fogo na asa, a fumaça do lado de fora e o piloto deu o alerta do ocorrido e acrescentou que precisariam primeiro gastar a gasolina dos tanques e então fazer um pouso de emergência.
Resultado caótico: houve gritaria, descontrole emocional, inclusive de parte das comissárias, que gritaram que todos iriam morrer. Minha amiga, sem saber até hoje como, deu um berro mandando todo mundo sentar, pensar na vida e rezarem, se assim quisessem, mas que ficassem quietos em seus respectivos assentos, e acrescentou que, desse modo, ao menos não atrapalhariam o piloto na tarefa complexa de fazer o que fosse preciso para salvá-los.
Ela se lembra de ter ouvido uma vez a história de que um avião pode se desequilibrar perigosamente se todos os passageiros ficarem de um lado só, e foi daí que resolveu dar a inesperada ordem. Foi obedecida, ela desconhecia tal poder de comando.
Minha amiga se recorda também do quanto estava apavorada, mas dirigiu seus esforços para que o desespero de todos, inclusive o próprio, tivesse repercussões menos destrutivas. Sentir um medo brutal foi inevitável, mas isso não a impediu de buscar um mínimo que fosse de serenidade e segurança para si e os demais.
Ter um comportamento equilibrado assim depende de vários fatores, muitos estão embrenhados na história de aprendizagem, outros se relacionam a predisposições biológicas. Seja como for, dá para exercitar essa habilidade.
Vejam só: quem "apenas" se desesperou estava primordialmente sob controle da perspectiva de um possível acidente fatal num futuro próximo. Essas pessoas antecipavam uma tragédia e se desconectavam do que poderiam fazer de melhor num momento certamente ruim. Já a minha amiga permaneceu conectada ao aqui e agora: ela estava viva, o avião parecia estável, a despeito da explosão lá fora, e ela apenas focou em aumentar as chances de sobrevivência de todos, conectando-se ao seu óbvio desejo de preservar a vida.
Hoje em dia há pesquisas demonstrando o benefício de práticas de meditação para nos ajudar a "desobedecer" pensamentos e sentimentos desestruturantes, podemos aprender a nos distanciar desses eventos internos devastadores (pensamentos, sensações, etc.), que nos afastam do presente e nos distanciam dos valores que mais prezamos na vida. Senti-los pode ser inevitável, mas podemos aprender a não ceder aos impulsos que eles sugerem. Podemos gentilmente acolher esses estados de medo, raiva, dor emocional e permanecermos de fato conectados ao instante presente. Só assim conseguimos olhar para dentro e fora de nós, interagindo com mais amor, clareza e abertura experiencial frente ao que vem pela frente.
Naquele caso, com a perspectiva de dispor de meros trinta minutos de sobrevida, talvez tenha sido possível colocar a existência em balanço. Para todos daquele grupo, que felizmente sobreviveu incólume graças às habilidades dos pilotos e da equipe de apoio da torre, as reflexões podem ter se convertido numa chance de transformação, reafirmação de pontos de vista e decisões, pode ter auxiliado cada passageiro a repensar a vida.
Meditar e treinar a serenidade nem sempre é fácil, divertido ou relaxante. Na verdade, trata-se muito mais de uma decisão de conduzir a vida por inteiro, sem fugir, com profundidade e compromisso com valores. O exercício, com sua doce e flexível disciplina, é quase um ato político, expressando como escolhemos viver.