por Monica Aiub
Certamente você já se deparou com o termo Ética em algum momento da sua vida. Muito provavelmente, várias vezes.
É comum falarmos da necessidade de ética na política, na saúde, na educação, no trabalho, no trânsito, na família, na sociedade, etc. Também falamos sobre a falta de ética, como por exemplo, “fulano não tem ética”; “tal ação demonstra a completa falta de ética” … Outra expressão comum é o imperativo: seja ético! E chegamos até a exprimir uma espécie de ontologia ética, na expressão “o ser ético”. Mas será que ao pronunciarmos a palavra ética, ou ao fazermos uso de diferentes expressões contendo o termo ética, queremos significar as mesmas coisas? O que você entende por ética?
No Dicionário Aurélio: “Estudos dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto”.
Em filosofia, as primeiras referências que encontramos acerca da questão situam-se na Antiguidade. Platão, em especial nos diálogos A República e Filebo, apresenta a ciência do ethos fundada por Sócrates, a partir de suas reflexões sobre a conduta humana, que em tal perspectiva, deveria ser fundamentada num amplo conhecimento.
Primeiro a falar sobre ética foi Aristóteles
Contudo, o primeiro tratado de Ética, propriamente dito, é de Aristóteles: Ética a Nicômacos.
Na proposta platônica, a Ética é de grande importância, por ser a reflexão acerca de nossas ações. Não basta pensarmos no que estamos fazendo, é preciso que compreendamos mais profundamente os fundamentos de nossas ações, que as situemos em seus contextos e investiguemos se de fato trazem o melhor para nós (considerando o todo social), ou se servem a outros interesses.
Nossas crenças, na maior parte das vezes, servem como mapas, guias através dos quais conduzimos nossas ações. Um problema ocorre quando nossos mapas estão equivocados, ou seja, quando pensamos que estamos fazendo o melhor, mas na verdade não estamos, ou não atentamos para os problemas gerados com nossas ações.
Na perspectiva platônica, quem conhece o bem não faz o mal. Com tal ideia, Platão não pretendia um olhar ingênuo, nem considerar que o ser humano, consciente de suas ações, é incapaz de provocar mal ao outro sem necessidade. Em seu modo de pensar, o que falta àquele que pratica o mal é, exatamente, consciência da dimensão de sua ação.
Assim, um cidadão poderia provocar malefícios a outros cidadãos, sem perceber que com sua ação provocaria malefício a si mesmo. Não se trata, aqui, de um castigo dos deuses, ou de uma punição por suas ações, mas de consequências ao todo social que englobam o cidadão em questão, simplesmente porque ele pertence, é um elemento integrante daquele todo social.
Por exemplo, uma empresa que polui o ambiente ou esgota os recursos naturais necessários a todos, ainda que pague as multas previstas em lei, gera um malefício ao todo social. Seus dirigentes, contudo, não percebem que suas decisões, nesse sentido, provocam malefícios a eles mesmos, pois o impacto da poluição ambiental ou do esgotamento de um recurso natural será sofrido por todos, incluindo eles próprios. Ou, como um segundo exemplo, uma pessoa que, com sua ação, promova injustiças sociais, com o objetivo de beneficiar a si mesma, e gera, a partir de sua ação, miséria e violência. Mesmo que ela não se coloque, a partir da citada ação, em situação miserável, o impacto da violência gerada também a atingirá, ainda que indiretamente.
Por esses e outros motivos, não devemos confundir Ética e Legislação. São áreas distintas, com objetivos distintos, ainda que possuam um mesmo material inicial. A Lei determina o que deve ser feito, como deve ser feito e prevê penalidades àquele que não a cumprir. A Ética supõe uma reflexão sobre a conduta e suas consequências, chamando-nos à responsabilidade sobre nossas ações.
Compreendendo o ser humano como pertencente a uma sociedade e essa pertencente a uma natureza, Platão aponta para as possíveis implicações e reverberações de uma ação no entorno da pessoa, em sua própria vida e na vida de muitas pessoas. Sem compreender o ser humano dissociado da sociedade e da natureza nas quais vive, Platão considerava que o impacto causado por uma ação poderia gerar implicações ao próprio cidadão que cometesse uma injustiça, ou que agisse de modo a provocar o desequilíbrio na sociedade ou no planeta. A não percepção de tais possibilidades levaria o sujeito a uma espécie de cegueira (já descrita rapidamente no artigo Armadilhas Conceituais – clique aqui e leia).
Essa cegueira poderia ter origem em confusões conceituais, geradas por falta ou inadequação de métodos para a pesquisa acerca dos fundamentos das próprias crenças. Mas poderia também ser fruto de uma confusão conceitual provocada deliberadamente, com a intenção de manipulação.
Ética de Platão
No contexto em que viveu Platão, a importância da “arte do discurso”, da “arte de convencer através do discurso” como forma de manipulação do cidadão diante de um regime democrático merecia destaque. Preocupado com as decisões coletivas que levavam para caminhos prejudiciais, Platão questionou até que ponto uma maioria é capaz de escolher os melhores caminhos para uma sociedade.
Se tal maioria não tiver esclarecimento acerca das questões envolvidas nos processos decisórios, o resultado da decisão por voto da maioria poderá ser desastroso. Além disso, como mais adiante nos lembrou Rousseau, quando uma maioria escolhe algo, em geral, cada um vota por si, verificando o que é melhor para si, em suas questões pessoais. Contudo, nem sempre a soma dos interesses singulares leva a um benefício para a maioria e, consequentemente, para a própria pessoa. Incluindo aqui um cuidadoso trabalho de pesquisa e articulação no sentido de manipulação através dos discursos de verdade produzidos numa sociedade, o perigo da ignorância gerar o mal, ainda que a ação esteja de acordo com a lei, é muito grande.
Em outras palavras, poderíamos dizer que uma conduta ética, na perspectiva platônica, é uma conduta pautada no conhecimento dos vários elementos que compõem a situação e, que visa, essencialmente, o benefício do ser humano, em sua coletividade social.
Mas quantas vezes não enxergamos, não queremos olhar para os resultados de nossas ações, não somos capazes de ver o que se mostra a nós? Quantas vezes nos fechamos em nossos “mundinhos”, nossas “cavernas” e ficamos aprisionados, sem coragem de olhar o mundo que se apresenta a nós? E, em tal fechamento, quantas vezes acreditamos que aquelas formas, aquelas prisões, são as únicas possibilidades de existência? O que nos permite a percepção de nossa prisão e a quebra dos grilhões? Quantas vezes desconfiamos de nossa sanidade mental porque ousamos suscitar outras possibilidades de existir? E se elas existirem? E se elas não existirem? O que nos provoca a sair de nossos “mundinhos” e encontrar o real?
Segundo Platão, as possibilidades do filosofar encontram-se no espanto, na admiração e, principalmente, no diálogo. Tal diálogo poderá ser iniciado pelo simples deparar-se com uma realidade, com um contexto completamente distinto do meu.
Para Aristóteles, a ética é a possibilidade do diálogo entre as necessidades sociais e a necessidades coletivas, para que as pessoas conheçam e busquem formas de vida melhores e mais adequadas. Ele inicia a “Ética a Nicômacos” afirmando que todo ser humano busca a felicidade, mas também afirmando que a felicidade de uma cidade é muito mais nobre, melhor do que a felicidade individual.
Novamente a ideia de um cidadão inserido em seus contextos, necessitando pensar junto com o outro, pesquisar, investigar para aproximar-se, cada vez mais, do bem. Você costuma exercitar a reflexão antes de tomar decisões, antes de agir? Como você desenvolve o seu processo? Você age tendo em vista o que é melhor para todos ou, simplesmente, estando de acordo com a lei?
Referências Bibliográficas:
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasilia, UNB: 1985.
PLATÃO. A República. São Paulo: Nova Cultural, 2004.