por Ana Luiza Mano – psicóloga componente do NPPI
Caro leitor, você alguma vez se perguntou o que acontece com seus dados na internet quando você morre?
Se sim, quais foram as medidas tomadas por você para garantir que seus documentos e contas não fiquem simplesmente abandonados no limbo virtual? Se nunca havia pensado nesse assunto, sugiro que comece a pensar a partir de agora.
Falaremos aqui sobre a morte, o luto e a virtualidade. As perguntas iniciais são: Como você gostaria de ser lembrado após sua partida? E como gostaria de se lembrar de quem se foi?
Já existem sites encarregados de lidar justamente com os dados virtuais das pessoas que venham a falecer. Qualquer um pode inscrever-se neles. A maioria cobra algum tipo de taxa para “cuidar” dos detalhes finais, após a morte do cliente. Que tipo de detalhes? Envio de mensagens avisando do falecimento para todos os contatos previamente selecionados pela pessoa, armazenamento e distribuição de senhas e outras informações necessárias a quem quer que seja, etc.
No entanto, existe mais a ser discutido do que simplesmente o que vai ficar registrado no virtual para a posteridade: quais as implicações em se manter um legado virtual? Para quem parte, é uma forma de ser lembrado; para quem fica, é uma forma de se lembrar de quem já não está aqui.
Memorial online
Pode-se criar um memorial online: página na internet onde as pessoas relacionadas ao falecido podem escrever mensagens, prestar condolências, falar sobre a convivência com o finado, postar vídeos e fotos, etc. É possível fazer isso até pelo Facebook atualmente. Dois links que explicam melhor como funciona o memorial pelo Facebook:
1. “O que significa manter uma conta como memorial? Ela é desativada ou excluída?”
http://www.facebook.com/help/?faq=103897939701143
2. “Como faço para informar o falecimento de um usuário ou uma conta que precisa ser transformada em um memorial ou excluída?”
http://www.facebook.com/help/?faq=150486848354038
Aqui estão outros sites que podem ser usados como memoriais virtuais sem custo (em inglês):
1. http://www.last-memories.com/
2. http://www.bcelebrated.com/
O memorial online é uma maneira diferente de estar em contato com alguém já falecido. Deixar uma memória virtual para ser visitada por pessoas queridas pode ser algo reconfortante – tanto para quem elabora essa página, quanto para quem possa acessá-la. Falar sobre morte e perdas no meio virtual, assim como no meio presencial, não é fácil para todos. Logo, deve-se pensar nas possibilidades de cada pessoa que entra em contato com algum tipo de memorial online. Não são todos que ficarão à vontade para postar comentários numa página de alguém falecido, tampouco podem ter vontade de ler mensagens a respeito da pessoa que se foi.
É fato que entrar numa página e ter mais detalhes sobre o falecimento ajuda a tornar o evento mais “real”, ainda que seja sofrido. No caso de um memorial, pode ser que familiares e amigos não se sintam bem com essa proximidade e facilidade de acesso que a internet permite a todos. Mas é sempre possível restringir a página somente a pessoas conhecidas.
Abaixo temos alguns exemplos de fatores que podem complicar o processo de luto de quem acessa um site memorial publicamente aberto:
• Pessoas podem mandar mensagens ou aconselhamentos que venham causar mal-estar para os familiares, gerando uma necessidade de moderação dos comentários, por exemplo: pessoas que nunca falavam com o falecido ou com sua família podem vir prestar condolências, e isso vir a causar eventuais reações negativas em pessoas próximas ao finado;
• A pessoa falecida poderia ter segredos que não gostaria que viessem à tona e que podem aparecer publicamente na internet. Algumas pessoas queridas do falecido podem vir a saber de informações que o mesmo não lhes contara em vida (porém, nada disso impede que não aconteça o mesmo presencialmente – como tantas vezes ouvimos dizer que “o falecido tinha duas famílias”, por exemplo);
• Se algum indivíduo não for avisado do falecimento, pode ser que se sinta mal ao descobrir – de forma abrupta – que alguém querido se foi, por meio de um memorial online;
• A exposição de uma página memorial na internet pode chocar as pessoas mais jovens: a internet é utilizada por muitos adolescentes – que nessa época já estão passando por essa fase muito sensível da vida – que poderão ter maior dificuldade em lidar com a morte, nessa sua expressão inusitada.
Memorial online: aspectos positivos
Por outro lado, temos exemplos de aspectos positivos do uso das páginas memoriais no processo de enlutamento:
• O diferencial de um memorial na internet é a possibilidade de deixar mensagens dirigidas ao falecido: mesmo sabendo que essa pessoa não poderá lê-las, o procedimento de deixar mensagens pode beneficiar o processo de luto de quem escreve, pois escrever é trazer à realidade o que antes era apenas pensado ou sentido; e mais, é celebrar quem aquela pessoa foi na sua vida, é relatar histórias de momentos compartilhados e como isso marcou e transformou quem você era na pessoa que é hoje;
• É possível presenciar o processo de luto das outras pessoas e conversar com elas: pode-se mandar mensagens privadas para quem morreu, mas o sentido de escrevê-las num local de acesso público tem uma relação com o senso de comunidade, do sofrimento grupal pela perda e também serve para construir um novo tipo de relação com quem partiu, ao menos do ponto de vista de quem com ele conviveu;
• Ter páginas memoriais ajuda quem mora longe a ter um lugar para se sentir conectado com o falecido, fornecer apoio a amigos e familiares e até fazer seus próprios rituais de despedida;
• É útil nas situações onde se optou pela cremação e não há túmulo para ser visitado;
• É reconfortante para muitas pessoas saber que há um lugar onde se possa encontrar diversas lembranças e informações sobre alguém que já se foi. Seja um álbum de fotos no armário do sótão, um vídeo guardado na estante da biblioteca ou uma página memorial virtual; é bom saber que algo estará lá, esperando por nós, quando estivermos prontos.
Em suma, diante da morte também podemos utilizar os recursos que as vias virtuais oferecem em nosso benefício: existe uma tendência maior à proximidade e intimidade, de modo mais acelerado, na internet (isto é chamado de “online disinhibition effect”). Lembrando que essa proximidade não é física, e sim virtual, a frequência com que nos conectamos no mundo moderno e o compartilhamento público de nossas emoções num grupo podem se tornar novas – e poderosas – formas de lidar com o processo de luto e nossos sentimentos em relação às perdas de uma forma geral.