por Ivelise Fortim de Campos – psicóloga do NPPI
Fui convidada por um casal de amigos para passar um dia e uma noite dentro de uma lan house, do qual são donos. O ambiente não poderia ser diferente: existiam cerca de 20 computadores no andar térreo e mais 20 no andar superior de um sobrado. Os computadores, todos de ultima geração, são equipados com fones de ouvido e tem como principal atrativo o jogo "Counter Strike", febre entre os jovens e o jogo da moda. Outros jogos como Fifa Soccers e Warcraft e Vice City também estão disponíveis, mas raramente são utilizados. A conexão à Internet é de banda larga e, obviamente, todos os computadores se encontram conectados em rede. Cadeiras de encosto alto, além de um pequeno balcão para o pagamento e a venda de pacotes de salgadinhos e refrigerantes, completam a cena do lugar.
Entre os usuários predomina o público masculino: as únicas mulheres presentes somos eu e minha amiga, namorada de um dos sócios do lugar. De diferentes classes sociais e diferentes idades (a maioria tem entre 12 e 18 anos, além de alguns jogadores com 20 ou mais), todos jogam Counter Strike, jogo onde se pode entrar do lado dos terroristas ou da policia, procurando incessantemente seus oponentes para matá-los e dizimar o "exercito" inimigo. O cenário do jogo pode se situar em diversos lugares como o México e até mesmo o Rio de Janeiro.
Pára um carro na frente da Lan, e minha amiga vai atender aquele que, segundo ela, é um cliente habitual. Trata-se de um homem de aproximadamente 45 anos, que paga R$ 6,00 reais por duas horas de jogo. Misturado aos jovens, ele passa despercebido. Em dado momento seu celular toca: são 14:00 horas de uma sexta feira, e o ouvimos dizer a alguém que está "preso no trânsito e por isso chegará atrasado à reunião da empresa…"
Passado mais algum tempo, duas crianças (com cerca de 10 anos) visivelmente pobres, passam pela porta da Lan vendendo vassouras, que oferecem à minha amiga. Como ela não se interessou pelo produto, os meninos perguntam se é verdade que se jogarem uma hora (que custa R$ 3,00) ganharão mais meia hora. Dada a afirmativa, pedem para que suas vassouras sejam guardadas, e, misturando-se aos outros jovens, jogam uma hora e meia de Counter, ao fim dos quais seguem seu caminho e retomam a venda das vassouras.
Mais um carro estaciona: é uma "Blazer" de vidros filmados. Meu amigo, dono da lan, me explica que esse é o motorista, que vem buscar um dos meninos que passou cerca de 5 horas dentro da lan house. Muito ricos, seus pais mandam o motorista e o segurança buscá-lo, sempre no mesmo horário.
Enquanto isso, o clima de algazarra é geral: os jogadores gritam quando conseguem matar virtualmente seus oponentes, trocam "ofensas amigáveis" entre si. Muitos revezam nos micros, quando a casa está cheia. Toda vez que entra um cliente, os donos liberam em algum micro um certo número de horas, mediante o pagamento. Ao fim dessas horas, o micro desativa o jogo, sem se importar com o que está acontecendo com o jogador. Mas também isso não importa: o jogo é sempre o mesmo, percorrendo os mesmos lugares. Todos os clientes são cadastrados: os menores de idade, entretanto, têm que pedir a seus pais que liberem um certo número de horas, pois caso contrário não podem jogar. Em geral, os pais pagam cerca de 20 a 30 horas para os filhos, que podem gastá-las da forma que quiserem: podem gastá-las em três dias ou em um mês.
À noite, o movimento da casa aumenta. Aparecem algumas namoradas de jogadores que, em vão, tentam tirá-los dos micros. Mas, ao final, acabam sendo convencidas a participar do jogo. Mas, para estas moças o jogo parece ser enjoativo, pois logo o abandonam, e saem para a rua, para conversar.
Entrementes, todos comem algum salgadinho, vendidos pelos donos do lugar, e bebem refrigerantes. O consumo de bebidas alcoólicas, assim como do fumo, são proibidos dentro da Lan. Mais à noite, os clientes mais habituais pedem uma pizza, que dividem com os donos do estabelecimento.
A noite adentra. À meia noite os donos e os clientes resolvem fazer o que chamam de "Corujão": vão varar a noite jogando. Para isso, trancam o portão com todos os jogadores que vão participar do torneio dentro do estabelecimento. O alarme é ligado, e todos só poderão sair às 5 horas da manhã, como combinado. Isso é feito porque o número de assaltos às lan houses nesse horário tem sido muito grande; o patrimônio de uma casa desse porte é, em geral, de cerca de R$ 40.000, só em micro computadores.
O torneio se inicia, a gritaria também, bem como o revezamento entre lugares nos micros. Existem equipes, e a disputa entre elas começa. Alguns participantes, cansados, dormem nas cadeiras, em meio à gritaria. Os donos se revezam nos horários do sono, para fazer a cobrança e vender a comida. Eu e minha amiga nos retiramos para assistir um pouco de TV, no quarto improvisado com colchonetes.
Às 5 horas da manhã, os jovens, cansados, mas ainda extasiados pelo torneio, partem para suas casas. Os donos fecham a Lan, que agora só reabrirá as 10:00. Antes dessa reabertura, uma limpeza geral da casa será realizada.
Assim se passa, portanto, um dia e uma noite dentro de uma lan house. Alguns detalhes do cotidiano das Lans podem variar, mas em geral os relatos que escuto são muito semelhantes a este aqui apresentado.