por Angelina Garcia
Acabrunhou-se ao ganhar o tão desejado vestido para usar na formatura da filha.
– Para que gastar tanto comigo?
– Mas você está de olho nele faz um tempão. Pensa que não percebo sua reação toda vez que passamos em frente à vitrina? É seu.
Embora fosse difícil admitir, desde que viu o tal vestido, Joana imaginava a leveza com que rodopiava pelo salão. Sentiu vergonha em usar a formatura da filha para dar asas ao seu sonho da juventude. O orçamento apertado dos pais não permitiu que participasse da própria festa. Junto a tantos outros, engavetou mais esse desejo.
Ali, olhando o vestido atravessado na cama, achou-o bonito demais, caro demais. Ela não merecia um sacrifício desse. Esquecera-se do seu esforço para formar a filha e nem percebeu a alegria do marido em fazê-la feliz.
É possível observarmos alguns equívocos na colocação de Joana. Ela confunde sacrifício com esforço. Não é raro ouvirmos alguém dizer “sacrifiquei meu domingo para isso ou aquilo”, “sacrifiquei meus melhores anos pela minha família”. A ideia de sacrifício é culturalmente estimulada em nossa sociedade. Ele aumenta o valor da coisa conquistada: se não há dor, não pode haver prazer.
No entanto, ao se fazer uma escolha, sempre descartamos outra; o que não significa que estamos matando esta, estamos apenas protelando-a, se ela for, de fato, importante para nós. A coisa escolhida é, em última instância, o que nos dá maior prazer naquele momento, que seja para saciar uma necessidade básica. O esforço é no sentido de suportar a sensação de perda. Se ficarmos presos, lamentando o que foi perdido, em vez de vivermos plenamente a satisfação que podemos tirar daquilo que escolhemos, aí, sim, caímos no sacrifício.
Ligado ao sacrifício, Joana traz o merecimento. O que nos leva a pensar que não merecemos algo que desejamos tanto? Podemos salientar algumas hipóteses.
Ao realizarmos um desejo, abrimos espaço a outros, o que pressupõe mais escolhas, ou mesmo frustrações; ou seja, temos medo de perder o controle sobre nossos desejos. Por outro lado, o desejo nos revela a nós mesmos e aos outros e, se nos acharmos em dívida com alguém, vamos nos envergonhar em desejar qualquer coisa. É como se sempre estivéssemos tirando do outro, por exemplo, aquilo que não pudemos dar aos pais, ou o que falta a um amigo. Relacionado a isso ocorre o medo da punição: ao se dar alguma coisa, outra lhe será negada, por desígnios além do seu domínio.
Alguns vão mais longe, tomando como uma questão absolutamente pessoal as desigualdades do mundo. Nesse caso extremo, desejar alguma coisa é para eles uma afronta aos mais necessitados. Acreditam que satisfazer-se tira o mérito da luta pelas questões sociais. Muitas vezes, eles nem se envolvem com essas questões, apenas as usam para não mexer nos próprios desejos.
Quem sabe, depois de uma noite bailando com seu vestido rodado, Joana não acordaria mais estimulada a dar atenção aos seus desejos e, também, a lidar concretamente com as necessidades do outro.